29/05/2009

Crescer (ou despedida)

Ele ouviu uma música desconhecida que despertou um sentimento estranho. Tudo que é desconhecido é estranho. Sentiu-se estranho. Não reconhecia si mesmo.
Levantou, olhou no espelho, e percebeu como o tempo havia passado. Notou como su rosto havia mudado. Como seus traços haviam se modificado. Ficou um bom tempo olhando pro seu próprio rosto, analisando a forma que sua face havia tomado. Percebeu marcas que não haviam, linhas que não existiam, e sentiu-se mal. Sem pensar, arremesou um frasco de shampoo contra o espelho.
O frasco de shampoo não era importante. Não era utilizado há tempos, pois não restavam fios de cabelo em sua cabeça. Por um instante riu de si mesmo. Riu da situação ridícula, e pensou que o frasco de shampoo só poderia servir para quebrar espelhos nessa altura da vida.
Começou a cantarolar a música desconhecida, e por não lembrar da canção como era originalmente, iventou.
O sentimento estranho o invade novamente, e uma tristeza arrebatadora o lança fortemente ao chão. Sente o gosto do pó, e não tem a mínima vontade de se levantar. Sente-se tão desprezível quanto o pó que cobre o chão, a mobília, e as cortinas velhas. A primeira lágrima escorre, e com ela uma parte da pouca vida que pensar ter pela frente. Misturada ao pó, vida, lágrima e pó tornam-se tão desprézíveis quanto os pensamentos que invadem sua mente.
Ele ergue a cabeça e vê, sobre a mobília torta e remendada, uma de suas fotos. Sente raiva da vida, do tempo, do universo. Na foto, vê a si mesmo, muitos anos mais jovens. A pele lisa, macia, olhos brilhantes e vivos, um corpo forte, inteiro. No chão apenas a carcaça do que restou de uma vida de nada. E olhando fixamente em seus própios olhos, a morte emerge do pó, e leva embora a mobília, as cortinas, a foto, as lágrimas, e a vida, deixando apenas os retalhos enrugados do que um dia foi alguém....

17/05/2009

Avó

Fui acordado pela minha mãe. Chorando, ela me pedia para ir a casa do meu pai. Minha vó havia falecido.
Bêbado de sono, não entendi muito bem. "Como assim minha vó havia falecido?" eu pensei.
Até então, nunca niguém tão próximo a mim tinha feito a travessia. Nunca a morte tinha estado tão perto de mim.
Quando cheguei na casa da minha vó, muitos choravam e outros encaravam o vazio. Eu não sabia o que fazer e nem o que falar. Um tio me abraçou e disse, com um tom meio ensaiado de novela: "Nessas horas as palavras somem". Fiquei irritado. Lembrei de alguma novela global do horário nobre. Pensei na Glória Perez. Pensei em tantas coutras coisas, e por um instante eu não estava mais alí.
"Vem ver como sua vó tá linda, vem ver" disse uma tia minha ao me encontar. Eu não queria ver, eu não queria encarar essa figura obscura e tão misteriosa da morte. Eu, na minha ignorância, queria guardar uma imagem da minha vó viva, descascando xuxu prá fazer ensopado pro almoço, sentada na beira da cama assistindo televisão e comentando o programa da Inezita Barroso comigo. Não, eu definitivamente não queria ver a morte recostada ao lado da minha vó.
"Vem ver, vem se despedir, vem" dizia essa minha tia, como se aquilo fosse uma obrigação. Não conseguia imaginar a figura da minha vó sem que ela respirasse. Eu a imaginava respirando, eu a imagina com os olhos brilhantes, eu a imaginava corada, falando, olhando prá mim. Eu sabia que se eu entrasse naquele quarto ela não falaria comigo, ela não me olharia, ela não me abençoaria somente com seu olhar. Eu saberia que ela não estaria alí.
Mais uma vez ela veio, "Vem dar adeus. Vem se despedir". Hesitei. Parei. Não conseguia mais pensar. Uma prima minha muito havia chegado. Muitas pessoas falando, muita coisa acontecendo, muita gente entrando, saindo, falando o que não devem ou o que acreditam que devem. Eu me perdi em mim mesmo...
"Eu entro com você, me dá sua mão"
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Penso em não descrever o momento, mas algo aqui dentro pulsa, revira meu estômago, para na minha garganta, resfria a pele e arrepia os pêlos. Está aqui, na minha garganta, um grande nó, como se uma força superior estivesse me elnaçando e guiando meus dedos, e sussurrando, lentamente, silabicamente: ESCREVA! CONTE!
Eu entrei no quarto. A imagem era assustadora. Minha vó não estava lá. Eu só vi uma figura fria, gelada, estática, imóvel. Estava lá, na cama da minha vó, mas não era ela. "Onde está minha vó?" eu perguntei em meio a soluços, despespero, angústica "ó! Vó!" eu gritava em vão, ela não me escutava, ela não ouvia, ela não se mexia e nem me olahav nos olhos com aqueles olhso azuis dela. "Vó, olha prá mim vó! Me ouve!" E ela não olhava, ela não me olhava....
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Chega um caixão carregado por dois homens estranhos adentram. Dois estranhos. Estranhos. O que eles estavam fazendo alí? O caixão sae carregado pelos mesmos homens estranhos, pelo meu pai, meu tio, e meu primo.
Vejo todas aquelas pessoas saindo atrás. Choro, lágrimas, soluços, dor, abraços, mais soluços, tristeza, saudade, adeus, amor, ódio, raiva, balsfêmia, esperança, fé, dor, dor, dor, dor, dor, dor, dor....
Vejo a casa vazia. Vejo minha tia-avó varrendo o pó. Vejo a primeira parte de mim durante toda essa vida ser levada embora, contra minha vontade. É justo?

A simulação real do universo imaginário e presente

  Era um poeta dos sonhos e um pintor das reflexões mais profundas. Sua mente transbordava de ideias surreais, mergulhadas em um mar de dúvi...