27/07/2021

Reflexo do inexistente

Joelhos rangendo feito porta com dobradiça enferrujada. Se nem os joelhos o ajudavam a se levantar da cama, ficar em pé sem dor era uma dessas metas que colocamos na nossa vida e nunca alcançamos, como ganhar na loteria ou fazer um bate-e-volta na lua. 

A memória já não ajudava tanto assim: "Por que cobri os espelhos?" Não se lembrava, mas sabia que nos cantos escuros da sua mente, a razão poderia estar desmaiada, coberta por pó, esquecida, descartada, inutilizada. Mas ainda existia, só não sabia para quem.

Seus olhos viram dentro da sua cabeça várias outras razões para outros motivos, e tal qual o apressado cosmopolita tropeça nos mendigos e não os vê, anulando sua existência contraprodutiva na barbárie capitalista, viu por cima, pelo lado, por baixo, mas não enxergou a razão, sequer lhe atribuiu significado que lhe conferisse razão de ser a razão. Ao esvaziar a razão, o que sobra?

Sua carcaça estava repleta de tudo e de nada, como se o nada fosse materializado dentro de si tal qual o sangue é bombeado pelo coração, ao mesmo tempo que permite que ele funcione. O coração depende do sangue para funcionar assim como o sangue depende dele para correr. Estava viciado em se preencher do vazio da existência reduzida ao propósito impossível de ser compreendido.

E se os olhos são a janela da alma, provavelmente a sua já deixou essa casca de carne e osso faz tempo... ou talvez nunca teve alma, e mesmo que tivesse, o que isso agrega em sua vida? Aliás, este esvaziamento de significados dos propósitos comuns lhe parece mais libertador do que aprisionante, seu maior medo era ser o fanático. 

Os fios brancos na barba bagunçada, a tatuagem borrada, a fumaça entre ele e o espelho coberto. Esvaziou-se de significados, esvaziou-se de propósitos, e permaneceu entregue ao nada. E o nada assim o envolveu, mas nunca preencheu.


06/06/2021

A contrapartida da intenção de ação

 


Estava decidido que eu iria ajudar a humanidade, a natureza e o planeta de uma vez só, adotando um cachorro. 

Não poderia ser de raça e muito menos comprado de um canil. Não mesmo. 

Encontrei: perfeito. 

“Ei, tá locão hein tio? Tira a mão do meu cachorro” 

Feliz com meu novo cão adotado, seria a hora de devolver para a natureza o que sempre foi dela. 

Cortei em 4 partes iguais. Se bem que as superiores eram meio desengonçadas e as inferiores um pouco tortas… para a esquerda… enfim. Corte lá em 4 partes “iguais” (o que não faz o menor sentido, não ficaram iguais). Mas eram 4 partes de toda forma. Qual norma explica o significado de iguais no subjetivo de cada um?

Com um quarto fatiei em filés. Suculentos, embora nem tanto, deixei marinando no próprio líquido. O sal ajuda. 

Com outros 2 quartos eu moí. Moí quatro vezes para ficar bem mais para um pastoso do que moído. Com as próprias tripas fiz linguiças. 

Com o quarto restante piquei em cubinhos e flambei. 

Afinal, não pensei no acompanhamento… hmmm, ração de salmão e hibisco. Perfeito. Com salsinha por cima. 

A melhor forma de salvar um cão é assim, olha:

“Vem garoto, vem cá. Olha o que o papai trouxe pra você!!!”

E serve um delicioso banquete de ex-dono ao seu próprio cão. 

Moral da história: não há moral na Colônia Portuguesa de Terras Brasilis. O que são vidas aqui, não é mesmo? Quase 500 mil. 

O que é vida, meu irmão?

04/06/2021

Pulsão de morte


 Mas ela não sabia o que ia rolar por detrás daquela cortina de fumaça branca e densa.

Não enxergava um palmo na frente do nariz. Ela estava literalmente cega mas muito viva. Desde quando se precisa dos olhos pra ver? 

Ah, papo de gente doida. Papo de gente esquisita. Tanta risada. Tanta palhaçada. De tantas em tantas ela ficou é tonta.

Isso é de comer? E isso? É o que? É de sentir?

Parecia que o quanto mais adentrava naquela névoa com cheiro de desinfetante e creolina. Havia tanta sujeira assim? 

Como qualquer pergunta poderia ser respondida por ela, justo ela que é cega, embora enxergue com seus próprios olhos a ponto de afirmar que é cega na mente. 

Mais uma rapidinho, mais uma baforada nesse balde. Mais uma tequila e mais um shot. Cadê a fumaça? 

A fumaça que a rodeava a cegou na alma. 

E tudo que vê não há. E o que há, não vê. 

Nao lê por detrás das palavras: as intenções. 

Não lê o que não foi dito, nem escuta o que foi quase dito. 

Então... por que introjeto na minha alma as marcas cancerígenas da fumaça que explode os meus pulmões e me impede de ter fôlego para dizer somente isso:

... ...... ....... .......

E fim (do quê?)!

25/05/2021

Tímpanos

O silêncio é ensurdecedor!

Será o silêncio coisa criada pela minha cabeça? Ou será o silêncio inútil na sua função se já surdo fiquei?

O silêncio é ausência, é quietude, é a própria finitude de algo e de alguém, independente da ordem, do grau e do seu impacto.

Falta.

Vazio.

Fim.

A simulação real do universo imaginário e presente

  Era um poeta dos sonhos e um pintor das reflexões mais profundas. Sua mente transbordava de ideias surreais, mergulhadas em um mar de dúvi...