15/12/2018

O grande espaço ocupado pelo vazio de nada.

De todas as maneiras que se sentia cheia, nada mais ultrapassava suas preocupações profundamente rasas do que o cheio de vazio. Ela estava cheia de vazio. A seu contragosto - e a contragosto das leis da física, química, biologia e quiromancia - ela estava cheia de vazio.
Ah, se soubesse tansformar esse abundante vazio em prazer...
Tenta hipnose
Tenta homeopatia
Tenta aquele homenzinho na cruz - ele morreu por sua causa, lida com essa responsabilidade agora.
Tenta ocultismo
Tenta suicídio
Tenta mandar a merda
Ah, não tenta mais nada.
E do cheio de vazio ficou cheia de nada.
De
Nada.

Agradeceu roboticamente e partiu.

Texto: Diego Lana
Arte: Daniela Nunes 

04/06/2018

Nãovalemeucigarro

Não via parede alguma, somente portas. Eram muitas portas, de tamanhos variados mas de apenas uma cor. Interessante que sempre que olhava, via uma cor diferente, mas todas tinham a mesma cor. Ela desesperou-se dentro de seu próprio conforto como se fosse lógico e óbvio: as portas se abrem para novos caminhos. Mas quais seriam tais caminhos?
Paralisou e ali ficou por uma eterniade que cabe em minutos de um relógio parado. O único tique-taque que ouvia era de sua própria mente, ensurdecendo com o movimento dos ponteiros da sua mente contrastados com o silêncio mórbido de um relógio quebrado.
Tremeu-se toda. Olhou para dentro de si, contou seus botões, rasgou suas roupas, tomou consciência de que tinha vindo daquela porta especificamente destacada entre todas as outras. Destaca, não se sabe por qual motivo, mas sentia um impulso que tentava mover seus pés, um após o outro até lá. Que mal existiria naquela porta da qual havia saído? Muito melhor o inimigo conhecido, do que o desespero nada elegante que aguarda depois das outras portas.
Levantou e caminhou até a porta conhecida e na frente dela parou, não a abriu. Tocou a porta aveludada, fechou os olhos e sentiu o prazer do veludo. Sedutora a porta, não é? Sedutor o caminho conhecido. Sedutor o sentimento de que nada mais a surpreenderia e estaria livre dos dissabores das decepções. 
Tocou a maçaneta no mesmo instante que um barulho ensurdecedor estremeceu seu corpo. Ouviu vozes que diziam que ela nunca conseguiria realizar seus desejos, que o que restava para si era nada além do que viveu. "A vida é dura". "Você é feia". "Você nunca vai encontrar alguém melhor que eu". "Você é chata". "Desperdicei minha vida por você e não consegui nada".
Tola, tola em pensar que o caminho conhecido é o melhor. Tola, tola em repetir o conforto da dor, o conforto do medo, o conforto do conhecido, o conforto da repetição ante o desconhecido.
Tola muitas vezes antes, mas não mais.

Um cigarro vai à boca. Uma chama vai à porta de veludo. Uma porta em chamas vai ao chão. Dores vão ao chão. Abusos vão ao chão. Aquele porco rosa imundo vai ao chão. Ela não, ela fuma seu cigarro até o fim e saboreia a liberdade de escolher qualquer outra porta e seguir adiante.

Aquelavidanuncamais. Nãovalemeucigarro. 

01/06/2018

Fortaleza de casca

São fortalezas gigantescas, imponentes, resistentes ao tempo, à força do vento e da água. Impressionam pelo tamanho. Impressionam pela audácia de não terem ido ao chão. 
Pessoas são fortalezas vazias, que impressionam pela casca decepcionam pelo oco, pelo eco, pelo vácuo, pelo nada. Mas ainda sim impressionam. Impressionam porque fortalezas são dissimuladas, e eu falo pelas duas: a de tijolo e a de sangue. São dissimuladas porque não se prestam a papel algum, pois estão apoiadas, alicerçadas, cimentadas, estagnadas em si mesmas, pois não viajam no espaço e nem no tempo. 
As fortalezas chamam atenção, recebem visitas, todos querem uma foto, uma lembrança, uma lasca do concreto, uma lasca da casca, um fio de cabelo ou um pedaço de pano. Alá quanta gente, alá quanta foto, alá quanta festa, quanto louvor. Deixa, deixa passar... deixa, deixa o dia ir... deixa que a noite é blasé, a noite faz cara de paisagem, a noite está ocupada demais em ser noite e vai deixar essas fortalezas mergulhadas em sus próprias solidões (no plural, porque o que tem de imponente, tem de vazia). É só casca.
Só.
Casca.

12/05/2018

(Re)iniciando a vida (de novo e novamente)

Tá lá o sujeito. O sujeito tá sujo. O sujeito tá sujeito a subjeções o objeções divinas, terrenas, quânticas e metafísicas. O sujeito se sujeitou a uma subjetividade alheia a sua própria capacidade de julgar sua capacidade de ser julgado e permitiu que o julgamento parcial e tendencioso o sujeitasse a continuar sujeitando-se àquele sujeito que obscurecia a suas faculdades mentais (débeis por instantes longos, mas finitos). 
Tá lá o sujeito tomando consciência que não precisa de nenhuma ciência, mas só paciência pra perceber que não é preciso provas científicas e nem ser um cientista pra entender que a vida ensina, mas não certifica. Não há diploma, certificado ou prova de proficiência na vida. O sujeito toma consciência num momento catártico, quase epifânico, e perdoe-me a profusão que me toma a consciência, mas por assim dizer, o momento é epifânico e catártico, quase um nirvana apocalíptico. 
Tá lá o sujeito reiniciado, recomendado, e remendando os trapos e farrapos de traços de um caminho encomendando e ensaiado. Tá lá o sujeito lavando os pratos cheios de fatos que só gritava o que ele memso rememorava e recobrava de si mesmo vez ou outra. 
Tá lá o sujeito abrindo o coração, rejeitando a oração, estendo a mão e abrindo o portão. Tá lá o sujeito, meio sem jeito, tentando de algum jeito, escondendo seus trejeitos, recebendo outro sujeito, para que juntos dêem um jeito, pois com muito respeito, nunca mais querem sofrer daquele jeito. 
Tão lá os dois sujeitos. Amando. Mas não estao recomeçando, pois o que um viveu, o outro viveu, e como tudo isso morreu (de morte matada, digo eu), não há nada além do que ele e eu queremos e podemos fazer.
Tão lá os sujeitos. E agora, meus caros, não tem jeito. Não há dor, nem rancor, nem pavor, nem medos no tremo. Há amor. 

Vida
Iniciou

18/01/2018

Hamlet 2018 Reloaded



“Ser ou não ser, eis a questão.”
Tirei essa frase do contexto que Shakespeare utilizou e me vi usando essa fase dentro do meu próprio contexto sócio-econômico-cultural e fiquei perplexo. Por isso, nada desta reflexão tem a ver com Hamlet (ou tem?). Quanto tempo das nossas vidas passamos tentando equilibrar tudo o que fazemos entre ser ou não ser? Quantas vezes o “não ser” toma a frente?
Não ser quem você é entre seus familiares.
Não ser quem você é entre seus amigos.
Não ser quem você é nas ruas.
Não ser quem você é na sua própria solidão, pois forças “superiores” e “invisíveis” estão vigiando.
É tanto “não ser” que quem quer “ser” acaba enlouquecendo e dizimando tudo ao seu redor (mas agora é vida real ou é Hamlet?).
Quem tenta “ser” ou acabado “sendo”, em outras palavras quem “é” acaba isolado numa concha, numa bolha ou embrulhado com o jornal da década anterior para cair no esquecimento.
Essa grande porção de “não ser” exige, demanda, estipula e impõe que o avesso nunca foi o avesso, mas o lado certo. Avesso é avesso, e o certo e o errado são tão arbitrários, que nem física quântica poderia explicar - e eu na minha ignorância neste universo também não.
Ser ou não ser?
Eis a questão.

Diego - JAN/18

A simulação real do universo imaginário e presente

  Era um poeta dos sonhos e um pintor das reflexões mais profundas. Sua mente transbordava de ideias surreais, mergulhadas em um mar de dúvi...