30/08/2020

Ciranda da vida

Era mais simples. 
Era mais humano.
Era mais real. 
A infância é vital. 
Crescer é uma cilada. 
Envelhecer é uma mentira.
Da beleza da vida, só ruínas.
E no desmonte do cenário improvisado 
A nudez da alma é feia, suja e desimportante. 
O que é a vida senão uma danação?

23/08/2020

Bailarina num copo de whisky com café

Foram muitos anos dividindo o palco com aquele - não ousava dizer o nome - que não sabia dividir. O combinado era colaboração e não exploração, mas não foi o que viveu. 
O espetáculo era lindo de se ver, mas não de se viver: estava sempre em segundo plano. Ao final, era whiskey pra esquecer, e no dia seguinte café pra acordar. Até quando? 
Até quando?
Até nunca. 
Decidiu que o bailarino voaria pra fora do palco: um assemblé, três balloné e um jeté bem executados por ele seria o suficiente. 
Viu-se sozinha no palco. Finalmente era dona de si, de tudo e de todos. Valsaria, se quisesse. Sambaria de sapatilhas se quisesse. Fouetté rond de jambe en tournant o quanto quisesse, pelo tempo que quisesse. No fim, whiskey pra dormir e café pra acordar. 
Tanto tempo fora do protagonismo, que no fim lhe restou um copo e duas garrafas.
Para si, apenas a morte do cisne. 

Texto: Diego Lana
Arte: Daniela Nunes 

20/08/2020

Cinzas

Soprou pro alto o que restava de sua energia vital. Queimou na ponta do cigarro pra ver em forma de fumaça o sorriso da sua alma. No fundo do copo afogou sua dignidade. 

Para que serve a vida senão para morrer? 

Ainda mais ele que nem pra morrer tinha dom. Costumava dizer que seu dom era poder furtar-se à sua responsabilidade de ter um, mesmo que essa contradição gritasse qual era o seu maior dom: negar o que não pode ser negado, na contramão da obscurantismo que é a vida.

E como cinza de bituca, num canto de calçada sobre a tampa de um bueiro, misturou-se ao pó e para o início retornou. 

[Não] está tudo bem [?]

Quem via sua cabeça erguida, seus olhos espertos, sua sobrancelha espremida, a testa franzida e seu peito cheio de ar, não imaginava que tudo era cartaz! 
A coroa pendendo para a lateral, mas firme e bem repousada sobre sua cabeça. 
Quem não queria ter a mesma postura? Sem contar a altivez de quem pode voar e ver o mundo lá do alto, lá de cima, numa imensidão azul e tranquila. 

O voo solitário não é privilégio. 
O olhar lá de cima não é privilégio. 
A imensidão azul não é privilégio. 

Privilégio é compreender o que se passa com a alma do ser. 
É ter empatia e perceber que aquela olhos negros eram espertos para compreender o que acontece lá embaixo, com as pessoas com seus pés no chão e cabeças nas nuvens, mas não espertos o bastante para esconder uma lágrima de dor. 

Olhos de insônia. 

Texto: Diego Lana
Arte: Daniela Nunes 

A simulação real do universo imaginário e presente

  Era um poeta dos sonhos e um pintor das reflexões mais profundas. Sua mente transbordava de ideias surreais, mergulhadas em um mar de dúvi...