13/09/2009

Ne Me Quitte Pas

eu sou triste na voz de Nina e na de qualquer outra pessoa
eu sou triste na minha própria voz
eu sou triste no espelho, no chão, na areia
eu sou triste num instrumento musical
eu sou triste na alegria dos outros

fim de noite

a noite acabou
a cerveja esquentou
o cigarro apagou
o sorriso sumiu
o papo mingou

a realidade acordou
e a felicidade secou

Prozac

Perdido entre um copo de whiskey e outro
faço duetos com Nina Simone e Piaf
e vejo no espelho minha imagem refletida como Cássia Eller

30/07/2009

AMOR AMORTE MORTE

Correu do portão de sua casa até o viaduto no centro da cidade. Correu sem parar e sem olhar para trás. As lágrimas que caíam não marcavam o caminho de volta. Nas suas mãos carregava a tristeza, a mágoa, a vergonha, o medo e a religião. Sobre seus ombros pesavam os bons costumems e a família perfeita.
Correu o mais rápido que pode, como nunca tinha corrido antes nos seus 17 anos de vida. Não tinha objetivo, não tinha rumo, não tinha orientação. Parou no viaduto, simplesmente. Olhou para baixo e ficou tonto com o vai e vem de carros.
Sua cabeça parecia rodar. Estava bêbado de incertezas e culpas, dele e da família. Não entendia a razão de tantos sentimentos cravados em seu peito, sentimentos tão diversos e opostos. Qual era o erro de amar?
Olhava o vai e vem dos carros, e via na rua iluminada pelos faróis dos veículos o rosto do Leo. Fechava os olhos tentando tirar essa imagem da cabeça, mas não conseguia. Tentava se concentrar no que sua mãe dizia, as frases da bíliba, que não poderia se deitar com outro homem, pois é abominação aos olhos de Deus, e a punição seria certa. Mas qual punição haveria em amar?
Sobre sua cabeça a noite sem lua, sem estrelas, sem beleza. Abaixo o vai e vem dos carros. E em sua cabeça deu prá maldizer Deus, a família, Leo, e a si. Riu pelos momentos bons em que soube o que era amar, e chorou pela culpa por ter amado um homem. E num mesmo instante, as lágrimas de alegria e tristeza embaralhavam-se em seu rosto.
E sem obter respostas, nem auxílio, entregou-se à noite escura interrompendo o vai e vem dos carros...

Qual o pecado em amar?

29/07/2009

Cadáver-irmão

Tudo o que ele não queria era ter sujado sua camisa de sangue. "Vai dar trabalho prá limpar isso daqui" dizia para si mesmo enquanto fitava o cadáver-irmão no chão. Não tinha se arrependido de ter matado quem é sangue do seu próprio sangue, na verdade sentia-se aliviado. Mas a camisa manchada de sangue realmente o incomodava. A camisa que havia custado tão caro.
Não tinha realmente a intenção de matar. "Eu queria apenas dar um susto, dar uma lição" pensava, "mas ele pediu por isso, eu senti." Mas o cadáver estava lá, calado, imóvel, com os olhos abertos sem brilho, fixos no infinito, como se observasse através de seu assasino-irmão. O sangue escorria da cabeça, tingindo o tapete de um vermelho escuro.
Não pensava em limpar aquela sujeira, porque não era isso que importava. Dinheiro nenhum nesse mundo pagaria a sua felicidade em ver o irmão estirado no chão. Daqui prá frente não ouviria mais os insultos gratuitos nem aquela voz cheia de rudeza, não veria mais aquele ser carregado de rudeza e preconceito, não seria mais alvo de investidas maldosas de um irmão ciumento.
A verdade é que nunca entendeu as razões que levaram seu próprio irmão a tal comportamento. Não entendia como todo esse conjunto de coisas ruíns cabiam dentro daquele ser que era do mesmo sangue que o seu. Não adiantava investigar, nem perguntar. A maldade era lançada gratuitamente em cada palavra, em cada gesto, em cada movimento do seu irmão.
Agora tudo estava resolvido. Sentia-se ótimo em ter um cadáver-irmão. Era tudo o que sempre sonhou...

27/07/2009

5 suspiros

Saiu do trabalho as 5:00 da tarde. Esgotado de tanto resolver pepinos, quebrar galhos, descascar abacaxis, e dar um jeitinho bem brasileiro aqui e alí, dizia para si mesmo que estava no emprego certo. Seu único problema era voltar prá casa.
Entrou na Potranca, nome do seu carro ano 92. Apesar do ferrugem aqui, do ferrugem alí, a Potranca andava, balançava, mas andava. Sai do estacionamento, deu boa tarde para o menino que anota as placas dos carros que entram e que saem. O rapaz estava sempre com a bíblia embaixo do braço, mas nunca foi visto lendo nada.
Quando dobrava a esquina da rua da sua casa, sentia um calor começando a subir pelas suas pernas. Todas as músicas que cantarolava no caminho entre o trabalho e sua casa sumiam nesse momento. Não havia um sorriso esboçado em seu rosto, nem o mais amarelo deles. Seu coração batia mais forte, como se fossem marteladas. O seu rosto exibia as rugas de toda sua vida, que só ficavam em evidencia quando descia do carro pronto prá entrar em casa.
Mas hoje deteve-se na porta. Enfiou a mão no bolso, tilintou as chaves com os dedos. Hesitou. Definitivamente não queria entrar. Não hoje. Recuou, deu a volta, e tentou olhar pela janela da sala. Houve um momento que sentiu-se como um ladrão, ou um espião, tentanto descobrir o movimento das pessoas da residência, para que mais tarde pudesse tirar algum proveito da situação.
Viu sua mulher passar, seguida pelo seu filho. O calor que havia sentido antes retornou ainda mais forte. Começou a suar e lembrar de tudo o que passara até então. De algum modo, a figura do filho o deixava inteiramente transtornado. Como poderia alguém tão parecido com ele fisicamente, com uma fisionomia tão semelhante ser tão bizarro?
Deixou a janela e voltou para o carro. A Potranca era seu refúgio, e guardava a solução definitiva para um problema sério que estava encarcerado em seu lar. Ficou alí remoendo toda sua mágoa, sua angústia, sua raiva e seu arrependimento. E junto a tudo isso, figurava a imagem do seu rebento de 22 anos.
O filho era um ser no mínimo inconveniente: turrão, teimoso e desagradável. Não se arrumava muito bem, tinha uma aparência deplorável: sujo, mal arrumado e com cabelos despenteados. Andava com uma calça jeans rasgada com lixa, e um tênis que um dia foi cinza e agora é preto. Seu vocabulário consistia de gírias. Não provocava ninguém, mas a sua presença era uma provocação. Não há quem não se incomodasse com o simples fato que ele poderia estar em algum lugar.
Saiu do carro munido do que resolveria sua vida. Deixou a Potranca estacionada na garagem como de costume, desceu do carro tranquilamente. O calor que havia subido pelas pernas já cozinhava seu cérebro e transformava seus olhos em duas bolas de fogo. Abriu a porta. Beijou a esposa. Olhou para o sofá. Gritou. Berrou. Atirou.
5 tiros, seguidos por 5 suspiros. Nenhuma lágrima escorreu. Beijou a esposa como há muito não fazia. Subiu as escadas em direção ao banheiro. Ligou a ducha e cantou, como há muito não cantava. Saiu do banho e foi se deitar.
Estava leve. Estava feliz. Estava completo.

25/07/2009

Releitura juvenil

Sinto falta dos meus amigos. Ultimamente, mais do que nunca, fico relembrando as viradas de noite no apê do Marquinhos. A Flávia e a Naná estavam sempre lá. O Daniel não ia sempre, mas quando ia o divertimento era garantido. Lembro que cogitávamos a possibilidade do Daniel ser gay e gostar do Marquinhos, mas a Flávia era a primeira a dizer que estávamos delirando, e que ela ainda iria beijar o Daniel.
A Naná sempre enchia a cara. Eu não dispensava a Vodka, e afirmava para todo mundo que eu sabia beber. Sim, eu sabia beber. Eu não ficava bêbado porque eu sabia beber. Mas a Naná... essa definitivamente era quem sabia beber. Pegava a garrafa e virava o litro, como se fosse uma frequentadora de boteco. Ninguém dava nada prá aquela baixinha, aquela tampinha, aquela bonequinha. Tudo nela era pequeno: as mãos, as perninhas, os olhos miúdos metidos atrás dos óculos, e uma boca que não combinava com a garrafa. Ah, mas nada disso impedia a Naná de entornar o litro.
O Marquinhos era o mais desperado. Estava sempre pedindo prá gente falar mais baixo por causa dos vizinhos chatos. Coitado do Marquinhos. Vez ou outra tinha que se explicar com a polícia. Os vizinhos dele eram muito perturbados. E sensíveis. S-e-n-s-í-v-e-i-s. Não é a toa que ele era o mais desesperado. Mas não queríamos nem saber. O que a gente queria mesmo era bater papo, beber, falar de teatro, de música, de livros... Não que o Marquinhos não gostasse, mas ele estava sempre mais preocupado em fazer a gente calar a boca do que no assunto.
O Daniel o defendia com unhas e dentes. "Pô gente, depois ninguém vai ajudar o Ma a pagar a multa do condomínio" dizia ele de tempos em tempos. Naná não perdoava e já dava seu palpite dizendo que o Daniel era um puxa saco do Marquinhos, que ele deveria é sentir alguma coisa pelo dono do apê. O Marquinhos ficava vermelho, e o Daniel desconversava. Até hoje não sei se rolou alguma coisa alí...
Sinto muita falta da galera. Sinto falta da maneira com que a Flávia defendia os atores circenses, dizendo que eles eram melhores do que os atores de teatro. Eu, na minha ingnorância do meio circense, dizia que não se podia comparar, não havia maneira de se comparar. Mas ela nçao dava trégua, acendia mais um cigarro e se metia a defender o circo.
E a noite ia, a madrugada vinha, e quando o dia rompia com o sol invadinho o apê, era hora de irmos embora e deixar o Marquinhos sozinho com as pontas de cigarros, as garrafas de cerveja e de vinho vazias, livros abertos, discos em volta do som, palavras suspensar no ar, pensamos cravados nas paredes, e análises bêbadas pendendo do teto...
Eram bons tempos...

06/07/2009

Da Arte de Morrer

Há uma semana não comia. Não porque não sentisse fome, pois seu estômago doía. Mas saciada por saciada, preferia estar cheia de nada. Também não queria ninguém tendo que ajudá-la no momento de ir ao banheiro. Nunca tinha precisado da ajuda de ninguém. Há tempos tinha deixado de ser um bebê prá precisar de ajuda no banheiro.
Há uma semana ficava admirando o nada. O olhar ora perdido nas marcas e rachaduras da parede, ora fixo no Cristo crucificado. Quais eram seus pensamentos? Quais eram suas vontades? O que almejava alguém com quase 80 anos?
Há uma semana deixou de se olhar no espelho. Após o derrame que paralisou metade do seu rosto, não quis mais ver refletido alguém que não era ela. Não sorria mais. Não havia razão, não havia motivos e principalmente não havia vontade.
Há uma semana não levantava mais da cama. As dores nas pernas, e os joelhos fracos deixaram-na como um paralítico. Se recusava a sentar numa cadeira de rodas. Ela, que nunca necessitou de ninguém, não poderia se deixar ser levada, empurrada numa cadeira de rodas.
Há uma semana sentia o mesmo desejo: o de dormir. Dormir. Apenas.

18/06/2009

Tom de ocupado

- Alô?
- Só um minuto.
(passam alguns minutos)
- Alô?
- Só mais um minuto.
(passam mais alguns minutos)
- Alô?
- Só mais um minutinho...
- Quantos minutos tem o seu minuto?
- Só um momento, por favor.
(passam mais uns "minutinhos)
- Ei, eu só quero falar com meu anjo da guarda, é "rapidão". Tô precisando de apoio!!!
- No momento, todos os nossos anjos da guarda estão em atendimento. Por favor, aguarde um instante, sua ligação é muito importante para nós.
- Mas que inferno!!!!!
- Tum tum tum tum
- Diabos! Essa "porra" de ligação caiu! Que infernooooo!!!!!

06/06/2009

BERMUDAS

Vi em uma visão metafísica o senhor George Walker Bucho sendo tragado em seu jatinho particular pelo mistério triangular de Gaia. Ao ser tragado pelos átrios bermudense, eu o vi nos mais profundos recônditos desse mistério atlântico-caribenho. Ao chegar ao mais abissal da cavidade, senhor Walker Bucho entrou em estado de hipotermia e apoplexia mais rudimentar, mas ainda assim, vivo, e por mais incrível que pareça, respirando. Porém seu estado apoplético amenizou-se e deu lugar a curiosidade (aquela que faz com que invada países a bel prazer), quando viu que em sua direção surgiu uma luz de cor âmbar e que de dentro dela alguém se aproximava. No momento em que a silhueta se aproximou, senhor Bucho teve a leve impressão e sensação nostálgica de conhecer o distinto senhor de algum lugar.

- Olá! – disse Bucho perscrutando o indivíduo.

- Oi! – respondeu o habitante abissal.

- O que faz aqui? – perguntou Bucho analisando o local.

- Eu moro aqui já faz um tempo.

- Como chegou até aqui?

- O senhor me mandou pra cá, lembra-se?

- Não me recordo! Já mandei tantas pessoas à lugares terríveis, mas não me lembro de ter mandado alguém à um lugar como este.

- Como é seu nome, meu jovem? Pergunta Bucho com certa excitação.

- Sou o Saddam, seu penúltimo arqui-rival lá na Terra.

- Nossa! Então você não está morto?

- Sim, estou! Não consegui entrar no paraíso, porém Alá, teve piedade de mim e não me mandou para o inferno, disse que eu ficaria um nível acima e um nível acima do inferno é aqui, no Triângulo.

- Então se você está morto eu também estou! – disse Bucho fazendo interjeição.

- Não! Infelizmente não! – meneou Saddam.

Alguns minutos de silêncio!

- Mas me diga, veio procurar por armas de destruição em massa por aqui? – interrogou Saddam.

- Não! Infelizmente não! Eu estava indo à uma conferência em San Juan quando meu jatinho foi tragado inexplicavelmente.

- Ah sim, é comum nessa região por conta do magnetismo e explosões de metano. A propósito, como vai nosso amigo Obama?

- Vai bem! Ansioso por ocupar o meu lugar.

- Parece que ele vai reerguer o sistema financeiro, tem muitas idéias arrojadas e audaciosas e parece ser coerente nos acordos com a ONU – observou o morador das profundezas.

- Ah sim. Ele até prometeu retirar as tropas do exército de sua ex-nação.

- Muito bem! É uma atitude louvável da parte de um democrata. – Um breve silêncio. Bem, a prosa muito boa, mas preciso retirar-me, repousar-me-ei em meus aposentos, vou para o meu jazigo.

- Hey, espere! O que vai acontecer comigo, como saio daqui? – levantando-se Bucho e indo ter com Saddam.

- Bom, ouvi uma conversa entre Posseidon e o Barba Negra dizendo que o próximo a vir para cá sofreria a maldição do peixe-boi.

- Eita febre do rato! E o que é isso? – perguntou num solavanco o insensato presidente, agora oceânico.

- Significa que você vai entrar em estado de decomposição e será mastigado por cavalos-marinhos por todo o sempre ou até quando o “todo o sempre” durar.

- Miserável homem que sou! – gritou desesperadamente o senhor George. E da mesma maneira como surgiu a luz de cor âmbar para aparição de Saddam, a mesma apareceu para o levar.



autor: Tom Luiz

03/06/2009

Frio

Acordou como se não tivesse acordado. Ficava nesse estado de zumbi todos os dias pela manhã. Sempre tropeçava no tapete, sempre batia o pé na ponta da cama, sempre abria a janela. Sempre mantinha essa rotina, querendo ou não.
Mas hoje o ar estava diferente. As pernas estavam endurecidas, e o tropeção no tapete o levou ao chão, e sentiu como se estivesse caído de cima de um toro bravo. Sentiu o gosto da sujeira e o cheiro do tapete sujo. Tentou se levantar, mas os braços finos e maltratados pela velhice precoce (uma velhice psicológica que o afetava diretamente no físico) bambearam, tremeram, e curvaram-se. Gritou de dor, de uma dor salientada pelo frio, pelo ar gelado.
Apoiou-se na cama e finalmente se levantou. Caminhou até a janela. Ainda tonto pela queda, não tinha despertado para a nova manhã. Não compreendia o frio, não entendia os arrepios, não aceitava ser derrotador por uma força invisível. Ele só queria abrir a janela e ver o laranja da manhã, o vermelho do amanhecer, e ouvir o barulho de vento nas árvores.
Aproximou-se da janela. Estendeu seus braços finos, e empurrou a janela de uma vez. Abriu. Viu. Não sorriu.
Tudo estava azul, tudo estava cinza, tudo estava quieto.
Sentiu aquele ar queimando sua pele, enrijecendo seus músculos, travando sua mandíbula. Foi então que deixou de sentir.
Imóvel, em frente a janela, sem saber nem porquê, entregou-se ao inverno, ao frio sem compaixão, e mergulhou na imensidão azul e cinza.

29/05/2009

Crescer (ou despedida)

Ele ouviu uma música desconhecida que despertou um sentimento estranho. Tudo que é desconhecido é estranho. Sentiu-se estranho. Não reconhecia si mesmo.
Levantou, olhou no espelho, e percebeu como o tempo havia passado. Notou como su rosto havia mudado. Como seus traços haviam se modificado. Ficou um bom tempo olhando pro seu próprio rosto, analisando a forma que sua face havia tomado. Percebeu marcas que não haviam, linhas que não existiam, e sentiu-se mal. Sem pensar, arremesou um frasco de shampoo contra o espelho.
O frasco de shampoo não era importante. Não era utilizado há tempos, pois não restavam fios de cabelo em sua cabeça. Por um instante riu de si mesmo. Riu da situação ridícula, e pensou que o frasco de shampoo só poderia servir para quebrar espelhos nessa altura da vida.
Começou a cantarolar a música desconhecida, e por não lembrar da canção como era originalmente, iventou.
O sentimento estranho o invade novamente, e uma tristeza arrebatadora o lança fortemente ao chão. Sente o gosto do pó, e não tem a mínima vontade de se levantar. Sente-se tão desprezível quanto o pó que cobre o chão, a mobília, e as cortinas velhas. A primeira lágrima escorre, e com ela uma parte da pouca vida que pensar ter pela frente. Misturada ao pó, vida, lágrima e pó tornam-se tão desprézíveis quanto os pensamentos que invadem sua mente.
Ele ergue a cabeça e vê, sobre a mobília torta e remendada, uma de suas fotos. Sente raiva da vida, do tempo, do universo. Na foto, vê a si mesmo, muitos anos mais jovens. A pele lisa, macia, olhos brilhantes e vivos, um corpo forte, inteiro. No chão apenas a carcaça do que restou de uma vida de nada. E olhando fixamente em seus própios olhos, a morte emerge do pó, e leva embora a mobília, as cortinas, a foto, as lágrimas, e a vida, deixando apenas os retalhos enrugados do que um dia foi alguém....

17/05/2009

Avó

Fui acordado pela minha mãe. Chorando, ela me pedia para ir a casa do meu pai. Minha vó havia falecido.
Bêbado de sono, não entendi muito bem. "Como assim minha vó havia falecido?" eu pensei.
Até então, nunca niguém tão próximo a mim tinha feito a travessia. Nunca a morte tinha estado tão perto de mim.
Quando cheguei na casa da minha vó, muitos choravam e outros encaravam o vazio. Eu não sabia o que fazer e nem o que falar. Um tio me abraçou e disse, com um tom meio ensaiado de novela: "Nessas horas as palavras somem". Fiquei irritado. Lembrei de alguma novela global do horário nobre. Pensei na Glória Perez. Pensei em tantas coutras coisas, e por um instante eu não estava mais alí.
"Vem ver como sua vó tá linda, vem ver" disse uma tia minha ao me encontar. Eu não queria ver, eu não queria encarar essa figura obscura e tão misteriosa da morte. Eu, na minha ignorância, queria guardar uma imagem da minha vó viva, descascando xuxu prá fazer ensopado pro almoço, sentada na beira da cama assistindo televisão e comentando o programa da Inezita Barroso comigo. Não, eu definitivamente não queria ver a morte recostada ao lado da minha vó.
"Vem ver, vem se despedir, vem" dizia essa minha tia, como se aquilo fosse uma obrigação. Não conseguia imaginar a figura da minha vó sem que ela respirasse. Eu a imaginava respirando, eu a imagina com os olhos brilhantes, eu a imaginava corada, falando, olhando prá mim. Eu sabia que se eu entrasse naquele quarto ela não falaria comigo, ela não me olharia, ela não me abençoaria somente com seu olhar. Eu saberia que ela não estaria alí.
Mais uma vez ela veio, "Vem dar adeus. Vem se despedir". Hesitei. Parei. Não conseguia mais pensar. Uma prima minha muito havia chegado. Muitas pessoas falando, muita coisa acontecendo, muita gente entrando, saindo, falando o que não devem ou o que acreditam que devem. Eu me perdi em mim mesmo...
"Eu entro com você, me dá sua mão"
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Penso em não descrever o momento, mas algo aqui dentro pulsa, revira meu estômago, para na minha garganta, resfria a pele e arrepia os pêlos. Está aqui, na minha garganta, um grande nó, como se uma força superior estivesse me elnaçando e guiando meus dedos, e sussurrando, lentamente, silabicamente: ESCREVA! CONTE!
Eu entrei no quarto. A imagem era assustadora. Minha vó não estava lá. Eu só vi uma figura fria, gelada, estática, imóvel. Estava lá, na cama da minha vó, mas não era ela. "Onde está minha vó?" eu perguntei em meio a soluços, despespero, angústica "ó! Vó!" eu gritava em vão, ela não me escutava, ela não ouvia, ela não se mexia e nem me olahav nos olhos com aqueles olhso azuis dela. "Vó, olha prá mim vó! Me ouve!" E ela não olhava, ela não me olhava....
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Chega um caixão carregado por dois homens estranhos adentram. Dois estranhos. Estranhos. O que eles estavam fazendo alí? O caixão sae carregado pelos mesmos homens estranhos, pelo meu pai, meu tio, e meu primo.
Vejo todas aquelas pessoas saindo atrás. Choro, lágrimas, soluços, dor, abraços, mais soluços, tristeza, saudade, adeus, amor, ódio, raiva, balsfêmia, esperança, fé, dor, dor, dor, dor, dor, dor, dor....
Vejo a casa vazia. Vejo minha tia-avó varrendo o pó. Vejo a primeira parte de mim durante toda essa vida ser levada embora, contra minha vontade. É justo?

05/01/2009

Nublado

Acordei com o dia nublado, sem chuva. Diferente de dentro de mim que chovia torrencialmente, me lavando por dentro dom dúvida, tristeza, desamparo, e confusão.

A simulação real do universo imaginário e presente

  Era um poeta dos sonhos e um pintor das reflexões mais profundas. Sua mente transbordava de ideias surreais, mergulhadas em um mar de dúvi...