10/12/2008

Decadência

A decadência chegou, entrou, me olhou nos olhos e aqui ficou. Vasculhou meu guarda roupa, vestiu minhas camisas, rasgou as minhas cuecas e fez bermudas das minhas calças. Sujou o meu tapete, manchou o meu sofá e quebrou o botão da minha antiga, mas preciosa televisão preto e branco. Passou por mim no corredor e me ignorou, fez vista grossa aos meus quadros tortos na minha parede pintada à cal. Meus olhos a seguiram enquanto ela ia para a cozinha, e pude ver quando tropeçou em um dos tacos soltos no piso. Sem pudor algum, abriu minha geladeira e comeu os restos do queijo que tinha ali. Percebi que ficou desapontada ao não encontrar nada para beber a não ser água da torneira enferrujada. Abriu minha despensa, e soprou o pó. A única coisa que tinha naquela despensa era o pó, uma ratoeira velha, e algumas baratas mortas.
A decadência sentia-se bem. O cheiro do mofo no ar era como perfume, da mais fina fragrância. As paredes pintadas à cal revelavam em sua transparência medíocre, a fina pintura que já existiu. Os quadros tortos estavam com suas figuras cobertas por pó. Eram figuras do que um dia foi uma família rica e feliz. Os móveis comidos por cupins já foram ostentadores de grande beleza.
A decadência instalou-se calmamente. Passaram dias, meses, e finalmente dois anos de convivência muda. Não conversávamos, não nos olhávamos e não existíamos um para o outro. Mais algum tempo passou, e eu passei a não existir nem para mim mesmo. A decadência havia vencido, e o prêmio era a minha vida.

Compromisso Inadiável

Eu estava sentado em um dos bancos esperando o trem, quando vejo aqueles seguranças ferroviários acompanhando um senhor. Esses homens fardados em preto, com “ares de superioridade”, de que sabem “exatamente o que fazer em qualquer situação” pareciam meio desnorteados, sem rumo, sem atitude, sem uma porção de coisas que deveriam saber.
O senhor continuava ali, naquela triste condição. Outros passageiros que estavam aguardando o trem somente observavam, afinal, o que nós poderíamos fazer? Não sou “entendido no assunto”, e acredito que os observadores não eram também. Mas tínhamos a esperança que os seguranças treinados saberiam o que fazer.
O senhor curvou-se. Gritou. Chorou. Gritou de novo e chorou mais. Assustado, um dos seguranças teve a fantástica idéia de ligar para a emergência, mas não sabia o número. Nenhum dos seguranças sabia pra onde ligar. O senhor gritou de novo e o choro continuou.
Em instantes ouvimos as sirenes. Uma das pessoas que observava a situação já tinha acionado a ambulância. Junto com as sirenes ouvimos o som do trem chegando. Tive somente tempo de entrar no trem e olhar pela janela a figura daquele senhor caindo ao chão com a mão no peito. Eu acredito que ele morreu, mas, assim como a maioria das pessoas ali presentes, eu tinha um compromisso importante demais para se importar com a vida de um desconhecido.
Aliás, quem se importa?

03/12/2008

A Passagem

Acordou da mesma maneira que sempre, ou seja, triste. Não deu bom dia para ninguém, porque não havia ninguém a sua volta. Não elogiou o dia de sol, porque não gostava do calor. Detestava transpirar.
Saiu de casa com um objetivo diferente dos dias anteriores. Não iria trabalhar hoje. Não iria estudar hoje. Não iria parar no parque prá descansar. Não iria ao mercado comprar nada para sua casa. Um dia repleto de "nãos".
Enquanto descia a ladeira com o novo a mente centrada naquela idéia "martelante", um sorriso começou a tomar forma em seu rosto. Não sabia exatamente o que sentia, mas estava gostando da sensação. Quanto mais pensava na idéia "martelante", mais sorria. Quanto mais sorria, mais fixava sua mente na idéia "martelante".
Descia rapidamente a ladeira, sem se importar com os vizinhos que diziam "bons dias". Geralmente passava e recebia apenas o desprezo. Sabia exatamente que os vizinhos diziam que era uma pessoa estranha. Outros diziam que era uma pessoa muito prá baixo. De certo não era exatamente isso que passava em sua cabeça. Não compreendia o porque dos outros pensarem isso.
Chegou na estação do trem. Pagou, rodou a roleta, andou pela plataforma até o banco que sempre sentava-se para esperar o trem quando ia trabalhar. Sentou e alí ficou. Hoje não iria trabalhar.
Ao longe o trem aponta, pequeno, aparentemente lento. Aquela figura estranha levanta-se. O trem aproxima-se, cada vez mais perto, perto, perto, perto....

Naquele dia houve um enorme atraso no itinerário do trem. O comentário é que alguém havia caído nos trilhos. Houve quem disse que empurraram alguém. Alguns diziam que foi suicídio. Quer saber o que aconteceu? Faça a passagem....

06/11/2008

Meu maior medo

Foi assim que a encontrei, nua, ensanguentada, afogada na lama, sem vida.
Ao seu lado um rapaz, nú, desmaiado.

Não sei quanto tempo contemplei a cena. Muito menos quanto tempo levei para esquecer a cena. Também não me lembro como alí cheguei.

Impossível descrever o prazer que eu sentia ao ver aquela mulher morta. Tudo a minha volta parecia estar lento demais. Eu estava entorpecido.

A chuva batendo nas minhas costas, o cheiro da lama e da morte me excitavam.

Desconexo, arrastei o corpo do rapaz para longe daquela mulher feia, enlameada, morta. Uma febre tomou conta de mim ao tocar o corpo frio do rapaz.

Não sei por quanto tempo levei para arrastá-lo até aqui. Mas a morte não faria parte dele. A morte pertencia a mulher, somente a ela.

Beijei-lhe os lábios, e minhas mãos percorreram o peito daquele rapaz inconsciente. A chuva lavava aquele corpo branco, pálido, frio.

Despi-me e deitei ao seu lado. O envolvi com meu próprio corpo na tentativa de aquecê-lo. A morte não pertencia a ele. A morte era daquele mulher suja.

O cheiro da terra, o cheiro dele, a respiração lenta, os detalhes do seu corpo, tudo enfim. Pertencem a mim, e não a morte.

Silêncio absoluto e nada mais existe. Ao invés do calor, o frio. E o corpo frio do rapaz fica cada vez mais frio. A respiração cessa.

Não adianta gritar.

Não.

30/10/2008

Polaca - parte 3

Atordoado seria uma simples palavra prá expressar o que sinto agora, isso se isso pode ser chamado de sentimento. Enfim, estou meio perdido em meus pensamentos. Sonhei a noite toda com a maldita garota, com aquela pele branca branca branca. Praticamente um fantasma.
Penso o tempo todo nessa polaca infernal. O que será que existe de tão especial nesta garota? Não sei se a desejo, ou se o que sinto é uma repulsa por... por coisas que eu nem sei direito.
Melhor deixar isso prá lá, me arrumar, e ir trabalhar.

18/09/2008

Polaca - parte 2

O porteiro me entregou o jornal, e me olhou como quem quisesse puxar papo. Não o fitei, simplesmente ignorei, com aquela cara de que "não funciono de manhã".
Entrei no meu apartamento, joguei o jornal na mesa e fui tomar um café forte, bem forte, prá espantar o sono insistente da manhã.
Abri o jornal, vi uma foto do nosso presidente e acima os dizeres:
"Presidente diz que não sabia de nada"
Nosso presidente nunca sabe de nada. Fato!
Logo abaixo, diziam algo sobre um assassinato num hotel aqui nos arredores da Pça da República, onde encontraram um homem nú, com perfurações no peito, pescoço, e pernas, pênis decepado e alojado no ânus. "Detalhes dispensáveis" - pensei comigo mesmo. Eu queria era saber sobre a polaca, sobre a maldita garota que havia tido com o velho naquela noite. Mas, a reportagem se ateve à buracos, sangue derramado, pau e cú. Que se foda tudo isso.
Deixei o jornal de lado... e passei o dia pensando na Polaca...

09/08/2008

Fragmentos de pensamentos pós - filme

Fragmento 1: Que mundo mais limpinho... Ah, são os óculos. Preciso trocar.

Fragmento 2: Que mundo mais limpinho... Vou tirar meus óculos.

Fragmento 3:
Quando estou triste
Quando estou confuso
Quando estou perdido
Quando estou pensativo
Quando estou devaneando
É quando estou mais bonito aos olhos dos outros
N U N C A - A O S - M E U S

Fragmento 4:
Eu: Gostei muito do filme. Mesmo! Mas, prá variar, tornou-se um dos filmes que me deixa triste e que por mais que eu busque uma razão, não a encontro. Me sinto muitos e ao mesmo tempo ninguém. Por que será? Por que eu sou tão cheio e também tão vazio? Por que tudo é tão barulhento e tão silencioso?
Peixecibernéticom: Porque vc é humano e porque a vida é contradição e polifonia...
Eu: Talvez seja isso mesmo. Talvez se resuma em: Porque eu sou humano e porque tenho vida. Precisamos bater um papo. Te ligo depois. Beijos.

Polaca

Pálida. Quem a via dizia que ela era uma moça muito pálida. Diziam que ela falava pouco também. Aparência de doente, no entanto, o sorriso que sempre carregava e a disposição que mostrava ter sobrepunha sua aparência de doente. Diziam também, que era bonita. Particularmente, nas vezes em que a vi caminhando pela Praça da República, à noite, achei-a bonita sim, mas um tanto vulgar. Sua pele branca, seu corpo miúdo, seus cabelos pretos até os ombros, seus olhos levemente arredondados, enfim, toda ela não combinava com suas roupas curtas até demais para essas noites de inverno em São Paulo. Geralmente, circulava de mini saia e top. Eu, realmente, nunca senti vontade de conversar com ela, mas não podia negar que era um ser um tanto quanto curioso.

Velho. Quem o via dizia que era um bom homem, respeitável, com uma família perfeita. Um exemplo de marido e de pai. Rico, todos sabiam que era muito rico, apesar de que não falava de sua fortuna. Quem o conhecia afirmava que este homem não era tão bom assim. Dias atrás, ouvi um vizinho falar que este velho costumava sair com as putas que encontrava no clube Love Story, próximo a Praça da República.

Não sei, e pelo que percebi, ninguém sabe até então o que aconteceu de verdade duas noites atrás. Sei que não vi mais a garota pálida circulando pelas praças mais. O que sabemos é que o velho rico encontrou-se com a garota.

Dona Maria, do apartamento em frente ao meu, contou-me detalhadamente o que ouviu de um homem que afirma ser uma "fonte confiável". Dona Maria sempre tem notícias de "fontes confiáveis", e que invariavelmente, são confirmadas tempos depois. A fofoqueira assim falou:

"Mas você não vai acreditar. A verdade eu tenho aqui, e de fontes confiáveis. Estou lhe contanto pois sei que não dirá prá ninguém o que vou relatar. Boquinha de siri, hein?
O velho rico foi visto conversando com aquela polaca esquisita e indecente. Depois, o velho ao invés de seguir para o aquela boate que dizem que ele frequenta - porque eu nunca vi ele entrando lá, mas minha "fonte confiável" diz que este velho sempre vai lá - ele seguiu para os lados do Largo do Arouche com a moça e entraram em um hotel fuleiro. Parece que a dona do hotel é uma das cafetinas da região, e que ela mesma ficou impressionada com a situação.
O velho e a moça entraram num elevador, e logo atrás deles entrou um homem, que dizem ser garoto de programa, mas eu não o conheço, por isso não posso dizer. O que sei, é que este rapaz contou prá dona do hotel, que contou prá minha fonte confiável, e que me contou que a polaca estava um tanto nervosa, e que o velho, não se importando com a presença dele no elevador, olhava para a polaca enquanto passava a língua pelos lábios murchos. Desceram no sétimo andar, e o garoto de programa continuou no elevador e não viu mais nada.
Esta "fonte confiável" me contou que naquele hotel, antro de perdição, a polaca e o velho entraram num dos quartos. A moça fez o que foi paga prá fazer, e depois disso ninguém a viu mais. Tudo o que sei, é que ela recebeu adiantado pelo serviço, e que ela teria que fazer o combinado de qualquer maneira."

Dona Maria, entusiasmada com todo seu relato, olhou prá mim e terminou assim:

"Boquinha de siri, hein? Não conte prá ninguém!"

Sinceramente, não sei o que de tão especial teria no relato de Dona Maria.

Ainda não sei o que aconteceu com a garota... Nem com o velho rico. Nenhum dos dois foram vistos mais. O que sei é que o hotel foi interditado, e que houve um entra e sai de policiais no local ontem a noite.

Enfim, quem sabe amanhã eu fico sabendo...

13/07/2008

Insônia

Caio na cama, exausto
O cansaço do dia, e as dores das preocupações
Me derrubam, extenuado

Fecho os olhos, exausto
Que sonhos e artes inundem minha mente
Abro os olhos, extenuado

Levanto da cama, exausto
O chão gelado e a escuridão da noite me irritam
Volto prá cama, extenuado

Vem um bocejo, estou exausto
Olho pro teto, e nada vejo além do breu
Vem outro bocejo, estou extenuado

Viro prá um lado, exausto
A ansiedade e o a vontade trazem e levam o sono
Viro pro outro lado, extenuado

Fecho os olhos, exausto
O sol penetra pelas frestas da janela do meu quarto
Abro os olhos, extenuado

Levanto da cama, exausto
Tenho mais um dia pela frente
E assim, fico mais extenuado

27/06/2008

Mudança

Não mudo
Eu posso mudar
Eu posso
Mas fico na minha
Não mudo
Eu posso mudar
Eu posso
Mas eu sou milhões de pessoas
Não mudo
Eu posso mudar
Eu posso
De um dia pro outro
Não mudo.
Eu posso mudar?
Posso?

19/06/2008

Tem preço não?

Numa cidade longe de ser uma metróploe, longe até mesmo de ser considerada rural ou do campo, a figura mais ilustre do lugar, beirando seus 80 anos, com muita dificuldade, e antes que amanhecesse, montou uma banca dessas que as pessoas montam prá vender revistas, objetos de decoração, rendas, artesanato, e outras coisas do tipo.
Montou com muita dificuldade, devido seu cansaço da vida, sua idade avançada, seus ossos fracos.
Em meio a ais, uis, paradas prá descanso, mas sempre sorrindo, o senhor, após algum tempo considerável, terminou de montar.
No anúncio dizia: BAZAR
O sol, que há pouco nascera, anunciou o início da vida na cidade.
O senhor sentou-se atrás da banca, abriu um sorriso maior, e começou a cantarolar cantigas que aprendera com sua mãe quando criança.
Ninguém até então, havia parado em sua banca. Estava com as pálpebras semicerradas, como se estivesse a adormecer, ao que veio a pergunta:
- Tem preço não? - perguntou a garotinha.
- Tem não - respondeu o velho.
- E esse? Tem preço não?
- Tem não.
- E aquele? Tem preço não?
- Não.
- Ah, seu lelé da cuca - mostrou a língua e saiu correndo atrás das amiguinhas.
O velho continuou a cantarolar sem se mostrar ofendido. Mas logo foi interpelado novamente:
- Tem preço não? - perguntou um rapaz.
- Tem não - respondeu o velho.
- E vai vendê como?
- Num vô.
- Mas é bazar, num é?
- É sim, moço. Vai querê?
- E num tem preço não?
- Não.
- Ah seu véio doido - fechou a cara e foi embora.
O velhou entristeceu-se um pouco. Sua intenção era das melhores. E pouco se importavam com seu bazar. Começou a cantarolar cantigas tristes de sua juventude. Cantigas que aprendera com amigos. Elas falavam sobre donzelas impossíveis de serem conquistadas. Em uma das canções foi interrompido pela voz grave, voz de galã de novela.
- Quanto custa? - perguntou o rapaz bem vestido, com ares de importância.
- Num tem preço não sinhô.
- Não faz sentido. Isto é um bazar, o senhor tem que colocar os preços.
- Mas não carece de preço não sinhô.
- Acho que o senhor não compreendeu. Em um bazar as coisas tem preços. As pessoas compram - e engajou em toda sua teoria e discurso sobre lei da oferta e da procura, vomitando sobre o velho palavras e mais palavras.
O velho não deu atenção. O galã falou, falou, falou e se foi.
Mais triste ainda, o velho olhou ao redor. Pensou em como a vida escorre entre os dedos, em sua infância, em sua adolescência. E não lembrou de mais nenhuma canção. Lembrou-se de suas preocupações. Lembrou-se de sua infelicidade de seu amor não correspondido. Lembrou-se de Mercedes e toda sua beleza inigualável. Lembrou-se em quanto a amou. Lembrou-se de muito mais.
- Ei, to falando cum sinhô. É surdo é? - gritou uma senhora gorda, com uma bacia de roupas na cabeça.
- Sô surdo não sinhora.
- Escuta, se o sinhô num for surdo mesmo. Escuta, tem preço não é? Coisa esquisita.
- Tem não sinhora. Tem não.
- Mas como é que pode?
- Sei não se pode ou se num pode. Tem que podê?
E ao que velho perguntou, a mulher calou-se. Achou que o velho fosse louco, doente, ou mal educado. Virou-se e seguiu seu caminho rumo as pedras do rio. Era a lavadeira da cidade. O velho a acompanhou com os olhos, e ela ia diminuindo, diminuindo, quanto mais longe, menor ela ficava, ao passo que suas lembranças iam aumentando, aumentando, e Mercedes novamente atracou em sua mente.
Mercedes era filha de família tradicional. Não fez muitas escolhas. Nem seu casamento. Seu pai a casou com o filho de um coronel amigo da família. Após o casamento, Mercedes e o marido foram morar na cidade grande, e o velho nunca mais a viu.
Ao lembrar-se da imagem de Mercedes indo embora, emocionou-se. Nunca pode dizer o quanto a amava. Nunca. E ficou atrás de sua banca, encarando o nada, lembrando de Mercedes.
- O sinhô tá bem?
- Tô sim sinhora.
- Num parece não.
E a senhora que estava a sua frente fixou nele seu olhar. O velho parecia ter entrado em transe. Em sua mente veio as lembranças de sua vida solitária, sem Mercedes. Lembrou de quando, mesmo sem ter vindo de família tradicional, arrumou sem primeiro emprego como ajudante em uma farmácia. Mercedes não estava lá. Lembrou-se de quando, com suas economias, após anos de estudo recebeu seu diploma de médico. Mercedes não estava lá. Lembrou-se de como tornou-se a figura ilustre de sua cidade, como o médico da região. Mercedes não estava lá. Mercedes não havia visto nada. Mercedes era um fantasma.
O velhou saiu do transe. Levantou seus olhos cansados, anuvidos e sem brilho, que o tempo e a vida levaram embora. Viu que a mulher continuava a sua frente.
- Olha, meu sinhô. Eu quero isso e isso aqui também.
- A sinhora não quer mais nada?
- Hum. Essa aqui também.
- Eu tenho mais aqui. Si a sinhora quiser, eu te mostro.
- Gradecida. Gostaria sim.
O velho mostrou tudo o que tinha.
- Eu quero tudo - disse a senhora.
O velho sorriu. E como a senhora à sua frente não perguntava em nenhum momento se tinha preço, o velho não se conteve e perguntou:
- Mas por que a sinhora se interessô tanto nisso tudo?
-Por que essa moça em todos esses retratos que o sinhô qué vendê, sô eu.
O velho sorriu. Mercedes tomou-lhe as mãos. Queria falar-lhe. Queria dizer tantas coisas e n]ao sabia por onde começar. O velho sorriu mais, e suas pálpebras foram caindo. Uma lágrima escorreu pelo canto do olho, e o velho caiu. O velho morreu.
Mercedes ainda beijara-lhe os lábios, mas o velho não sentiu. Estava morto. A senhora recolheu todas as lembranças que o velho havia deixado no bazar. Lembranças que não tinham preço. Tudo o que o velho queria era que alguém as mantessem vivas, que as lembranças vencessem o tempo. Não entendia que para as pessoas, eram apenas fotos, apenas retratos. Suas lembranças eram importantes apenas à ele, e à Mercedes. Mas morreu com a certeza de que alguém as manteria vivas. E este alguém, era a senhora que não botou preço em um sentimento.

O tempo

O tempo tem tanto tempo
O tempo toma todo meu tempo
O tempo que tenho
Não tem tempo nem proveito
O tempo tem tanto tempo
E eu não tento nem tenho
Ter o tempo do tempo
No tempo que tenho
O tempo tem todo meu tempo
Todo
meu
temp........

A simulação real do universo imaginário e presente

  Era um poeta dos sonhos e um pintor das reflexões mais profundas. Sua mente transbordava de ideias surreais, mergulhadas em um mar de dúvi...