04/06/2018

Nãovalemeucigarro

Não via parede alguma, somente portas. Eram muitas portas, de tamanhos variados mas de apenas uma cor. Interessante que sempre que olhava, via uma cor diferente, mas todas tinham a mesma cor. Ela desesperou-se dentro de seu próprio conforto como se fosse lógico e óbvio: as portas se abrem para novos caminhos. Mas quais seriam tais caminhos?
Paralisou e ali ficou por uma eterniade que cabe em minutos de um relógio parado. O único tique-taque que ouvia era de sua própria mente, ensurdecendo com o movimento dos ponteiros da sua mente contrastados com o silêncio mórbido de um relógio quebrado.
Tremeu-se toda. Olhou para dentro de si, contou seus botões, rasgou suas roupas, tomou consciência de que tinha vindo daquela porta especificamente destacada entre todas as outras. Destaca, não se sabe por qual motivo, mas sentia um impulso que tentava mover seus pés, um após o outro até lá. Que mal existiria naquela porta da qual havia saído? Muito melhor o inimigo conhecido, do que o desespero nada elegante que aguarda depois das outras portas.
Levantou e caminhou até a porta conhecida e na frente dela parou, não a abriu. Tocou a porta aveludada, fechou os olhos e sentiu o prazer do veludo. Sedutora a porta, não é? Sedutor o caminho conhecido. Sedutor o sentimento de que nada mais a surpreenderia e estaria livre dos dissabores das decepções. 
Tocou a maçaneta no mesmo instante que um barulho ensurdecedor estremeceu seu corpo. Ouviu vozes que diziam que ela nunca conseguiria realizar seus desejos, que o que restava para si era nada além do que viveu. "A vida é dura". "Você é feia". "Você nunca vai encontrar alguém melhor que eu". "Você é chata". "Desperdicei minha vida por você e não consegui nada".
Tola, tola em pensar que o caminho conhecido é o melhor. Tola, tola em repetir o conforto da dor, o conforto do medo, o conforto do conhecido, o conforto da repetição ante o desconhecido.
Tola muitas vezes antes, mas não mais.

Um cigarro vai à boca. Uma chama vai à porta de veludo. Uma porta em chamas vai ao chão. Dores vão ao chão. Abusos vão ao chão. Aquele porco rosa imundo vai ao chão. Ela não, ela fuma seu cigarro até o fim e saboreia a liberdade de escolher qualquer outra porta e seguir adiante.

Aquelavidanuncamais. Nãovalemeucigarro. 

01/06/2018

Fortaleza de casca

São fortalezas gigantescas, imponentes, resistentes ao tempo, à força do vento e da água. Impressionam pelo tamanho. Impressionam pela audácia de não terem ido ao chão. 
Pessoas são fortalezas vazias, que impressionam pela casca decepcionam pelo oco, pelo eco, pelo vácuo, pelo nada. Mas ainda sim impressionam. Impressionam porque fortalezas são dissimuladas, e eu falo pelas duas: a de tijolo e a de sangue. São dissimuladas porque não se prestam a papel algum, pois estão apoiadas, alicerçadas, cimentadas, estagnadas em si mesmas, pois não viajam no espaço e nem no tempo. 
As fortalezas chamam atenção, recebem visitas, todos querem uma foto, uma lembrança, uma lasca do concreto, uma lasca da casca, um fio de cabelo ou um pedaço de pano. Alá quanta gente, alá quanta foto, alá quanta festa, quanto louvor. Deixa, deixa passar... deixa, deixa o dia ir... deixa que a noite é blasé, a noite faz cara de paisagem, a noite está ocupada demais em ser noite e vai deixar essas fortalezas mergulhadas em sus próprias solidões (no plural, porque o que tem de imponente, tem de vazia). É só casca.
Só.
Casca.

A simulação real do universo imaginário e presente

  Era um poeta dos sonhos e um pintor das reflexões mais profundas. Sua mente transbordava de ideias surreais, mergulhadas em um mar de dúvi...