19/06/2023

A simulação real do universo imaginário e presente

 


Era um poeta dos sonhos e um pintor das reflexões mais profundas. Sua mente transbordava de ideias surreais, mergulhadas em um mar de dúvidas filosóficas sobre a própria natureza da realidade. Ele dançava na corda bamba entre mundos imaginários e a teia enigmática da vida real.

Cada alvorecer, ele questionava-se em devaneios coloridos: "Será que a realidade é apenas um reflexo distorcido da verdade que se esconde em nossa consciência?". Essa interrogação cintilante transformou-se em um turbilhão que o transportava para os confins do absurdo, onde o sonho e a vigília se entrelaçavam como amantes proibidos.

Decidido a desvendar os véus que velavam sua percepção, adentrou o labirinto dos pensamentos filosóficos, banhando-se nas águas etéreas dos tratados antigos e mergulhando nas profundezas das palavras dos mestres visionários. Ele ansiava encontrar as cores vibrantes da verdade em meio ao emaranhado de sombras que dançavam em sua mente.

Em êxtases contemplativos, vislumbrou fragmentos de clareza, como estrelas cadentes iluminando o céu noturno. Ele flutuava em mundos de possibilidades e se entrelaçava com os fios da existência cósmica. Nesses momentos extáticos, ele sentia que sua alma dançava em harmonia com a sinfonia do universo, como um pincel traçando os arcos-íris das almas perdidas.

Contudo, quanto mais buscava a verdade, mais ela se escondia nas dobras do infinito. A incerteza tornou-se sua companheira constante, um amante enigmático que despertava seus sentidos e alimentava sua sede de conhecimento. Ele aceitou que a verdade era um espelho quebrado, refletindo facetas ocultas que jamais seriam capturadas em sua totalidade.

Com o tempo, compreendeu que a própria incerteza era uma tela em branco, uma tela onde ele podia pintar as cores da vida com pinceladas surrealistas. Ele dançou entre os limites da razão e da loucura, encontrando beleza nas contradições e conexões improváveis. Descobriu que a magia estava no voo dos pássaros e no murmúrio dos rios, na respiração do vento e no toque suave dos raios de sol.

Assim, escolheu viver uma vida de poesia e maravilha, transcender as fronteiras do real e explorar os recantos secretos do imaginário. Ele abraçou o poder da metamorfose, onde a própria existência se tornava uma obra de arte em constante transformação. E, nesse mundo surreal e filosófico que habitava, descobriu a liberdade de ser um criador, moldando sua própria realidade em cores vibrantes e significados profundos.

Mas então o efeito da substância cessou. Seus olhos abriram para a realidade gritante e excêntrica, sedenta pelo choque entre a viagem espiritual e a presença infernal. 

19/02/2023

Bafo de purpurina carnavalesca


Parece que um caminhão passou por cima de mim. Vomitei tanta purpurina, que devo ter engolido todas as almas do carnaval. Mas não é só de almas que eu vivo. 

Melhor fazer um café para curar essa ressaca cintilante, ofuscante e hipnótica. Como pode caber tanto caco de vidro brilhante nesse estômago? 

Corte o suficiente para dar vazão ao sangue, ao líquido viscoso vermelho e roxo. Aqui dentro circula meu sangue e de mais mil almas. 

E se eu canto, é porque me deste voz. E pra ti eu canto a festa do carnaval  


29/10/2022

Ciclo eterno da repetição

https://drive.google.com/uc?export=view&id=1keKGW-VU0xP2hUJEGi9XCEOxmwNoow8e
Num ciclo eterno do que pode vir a ser, o que é e o que foi, me perco nas opções irresistíveis, infalíveis e, ao mesmo tempo inexistentes. Como posso tanto querer abrir uma das portas de tomada de decisão dentre tantas outras portas?
O fato é que cada porta leva a uma sala etérea, branca, reunindo todas as outras possibilidades descartadas de forma que estivessem sentadas em cadeiras dispostas em semicírculos somente para observar minha cara de espanto ao ver todas elas lá me julgando por não tê-las escolhido  
E mesmo que eu quisesse tomar outra decisão e ir para outra possibilidade, nenhuma delas é a mesma de antes, pois já haviam sido modificadas pela minha escolha - ou não escolha - remexidas no caldeirão das posibilidades descartadas. 
Me tornei escravo das minhas invenções que limitam meu livre arbítrio. Por outro lado, também me torno livre das invenções não inventadas, das possibilidades impossíveis, da eterna contradição de ser livre para tudo, menos para deixar de ser livre, e nisso me aprisiono na minha própria lembrança perturbada constantemente pelas vozes da minha cabeça que me contam a minha própria história como uma obra ficcional de dor, sofrimento, arrependimento e ausência de fôlego  
Não quero me demorar nesta vida além do bastante para que minha partida seja a solução, mas nunca a fuga. Para as salas com escolhas descartadas que me julgam constantemente: a vocês eu dedico a finitude do ser, do querer e do viver. 

23/10/2022

40 anos?

 https://drive.google.com/uc?export=view&id=1AuKaI48USsjx-NNU3z7QfRBfsgeIkKs_

Esse é o Soju. Quando algo que lhe parece estranho acontece, ele se esconde tão bem escondido, que já chegamos a achar que ele tinha fugido. Pois eu o entendo!


Entre ontem e hoje eu fui do céu ao inferno e voltei. Alguns acontecimentos na minha vida me fizeram abrir os olhos para uma nova possibilidade, ou para perceber que a possibilidade sempre esteve na minha frente, e eu, afundado numa rotina alucinante que me consumia numa velocidade altíssima feito fogo em folhas secas, estava me perdendo de mim mesmo. 

Ou simplesmente posso dizer que o clichê de “a vida começa aos 40” na verdade é uma frase mal interpretada por mim mesmo antes de finalmente chegar nos 40. 

O que quer dizer que a vida começa aos 40? Eu não diria que o que acontecia antes era ruim. Pelo contrário, tudo que me ocorreu me possibilitou estar preparado para os 40! Para meus últimos 40 anos, talvez… 

Dê o nome que quiser: recomeço, ressignificação, renascimento ou reinício. Eu prefiro chamar de redescobrimento, releitura, reinterpretação ou, simplesmente, de maturidade. Será? 

Entre ontem e hoje eu vivi a angústia e senti a respiração da finitude na minha nuca, a mesma que também sussurrava que de agora em diante é a caminhada para o fim. O início da contagem regressiva para o fim iminente da finitude eminente.

Sabia que iminente e eminente são parônimos? Mas isso não vem ao caso. 

A eminente finitude iminente existe e se materializou para mim num quarto de hospital. Ela dizia coisas horríveis, que me fizeram sentir o cheiro do coração que para, o cheiro do cérebro que desliga, o cheiro da pele que esfria, o cheiro dos músculos que enrijecem, e o cheiro do sangue apodrecido. Esse cheiro nunca há de sair do meu nariz. Junto com ele o cheiro da conformidade com a finitude de tudo que nasce e que um dia morre, que um dia apodrece, e que nutre a terra com vermes satisfeitos por consumirem o resto do resto do resto da vida. 

Dizem que morrer e continuar vivendo é a pior morte. Eu digo que ter certeza de que vale a pena viver e a certeza igual de que não vale a pena é o maior paradoxo da existência. 

Já dei valores inestimáveis ao que nunca de fato teve valor algum. Mas com 40 anos as coisas mudam, e dar ou não dar valor a isso ou aquilo se torna uma arbitrariedade ridícula, vazia e guiada pela conformidade que nunca foi minha, mas inserida pelos outros. 

E de repente, depois de ter despencado do céu, ido até o inferno, conhecido a mesquinhez e estupidez humana, ter reconhecido o tempo desperdiçado com invenções humanas que se aperfeiçoam para me escravizar, eu quebro as algemas que me colocaram ao nascer, declaro minha independência e digo: aqui jaz 39 anos de tempo perdido - ainda mais sabendo que o tempo é só mais uma invenção inescrupulosa para ditar as regras da morte - e declaro o reconhecimento de que eu sou tudo aquilo que não pude ser até horas atrás, e que isso não tem volta. 

É, Soju. As vezes eu só queria fazer igual você e entrar em algum canto qualquer, numa caverna talvez, e ignorar Platão.

27/08/2022

Brevidade que intoxica.

 Por eleição na qual somente ele votou, optou por alterar seu estado de consciência. Não achou uma boa ideia seguir com agulhas, preferiu inalar as incertezas em carreiras, fumar certezas precipitadas, tomar comprimidos de alegrias momentâneas e sem motivos, e beber da aguardente do esquecimento. 

As drogas eram a razão para continuar vivo. Drogas tão legais que o mantinham com a capacidade de se lembrar de respirar. Como um peixes num aquário, limitado pelo vídeo invisível, interrompendo sua ida, vinda de onde nunca foi, seu fluxo, seu destino ceifado com a foice do escuridão. 

Mais um trago de consciência equivale a diminuição da capacidade inútil de confiar numa divindade que sabe seu destino, e que o pune por não o seguir, mesmo que seja a pessoa mais benevolente não segui-lo significa ofensa grave a vosso senhor. 

Prefiro meu corpo nu, meus pelos cruzados e meu suor sagrado. Meu corpo é só meu, e o que sinto é problema meu. Nem que calce meus sapatos você saberá a zona que se instala dentro da minha mente. 

A minha mente sempre mente. Confie é o fim da sua vida será breve. 

Tão breve quanto fumaça branca dissipando no ar. 

Breve. 

Muito breve. 

20/08/2022

(Ab)sinto

 Numa overdose criativa, encheu mais uma taça de ideias organizaras em camadas de importância, mas que eram engolidas num só grande gole. Sem piedade, devorou três tabletes de puro fluxo contínuo de pensamentos doces e enjoativos. 

Para o enjoo, caneta e papel. Para a overdose, soro da verdade e sinceridade. Para o leitor, palavras desconexas da realidade para de encerrarem na beleza de serem palavras carregadas de sentido. Sem sentido, reduze-se a palavra a ela mesma, esvaziada de significado, de importância, de existência. 

Morreu um poeta, morreu mais um, morreu outro poeta, é só mais um. Quem dá a importância que a fada verde tem, suave na garganta, aquecendo o estômago, embaralhando pensamentos e distorcendo a realidade. 

Absinto no fim, não se se sinto ou se acredito no infinito da imaginação como se deve imaginar. Se meu caminho é a morte em devaneio, ao sufocamento no próprio vômito de vontades reprimidas e espremidas. 

O que ele queria era pintar um quadro de realidade, distorcida pela utopia da evolução, da revolução da preguiça por detrás do vidro da enfermaria. Dos vidros dos carros, dos vidros das telas das tv’s, das telas dos computadores e celulares. 

Afogou-se no fermentado das ideias rejeitadas, azedas de desprezo e corroídas de emoções. Acredite no poeta quando o absinto é tudo o que sinto. 

Soluço da vida

 Pelo canto da boca escorriam as palavras não ditas, as frases não terminadas, e os textos apagados. Tudo o que engoliu durante anos, de fato haviam parado na garganta, num amontoado emaranhado de significados puros distorcidos pela ação do silêncio, conflitos inevitáveis das intenções presas na flor-de-lis na lâmina dos dentes, concordâncias sufocadas no enrolado da língua e, sem ter menos ou mais importância, o afogado de vocabulário esquecido na saliva grossa e ácida. 

 Havia decidido: vou pensar antes de falar. De tanto pensar, deixou de observar, de aprender e de lidar com frustração. E por ter parado de dizer, o que os outros diziam eram como o ar que entra nos meus pulmões, mas que ali permanecem, comprimidos, espremidos, misturados com tudo o que nao havia dito. 

 O tempo é um inimigo, é bem melhor é o inimigo conhecido. O tempo desconhecido cala a quem o segue. Deixando de dizer, deixou de existir, pois se existe, o faz por propósitos comunicados, e quando não o faz, soluça, como vírgulas em locais não reconhecidos, e, também, por assim dizer, seu excesso pode provocar reações inesperadas. Calou-se e preferiu não existir. 

19/08/2022

O cheiro da morte

Aquele fenômeno estranho estava acontecendo diante dos céus olhos: não amanheceu. Eram 09:30 da manhã e nada de amanhecer. 

Não conseguia enxergar um palmo na frente do nariz. Sabia que estava na rua, mas os postes estavam desligados, a lua e as estrelas também haviam desaparecido. 

Olhava para qualquer lado que fosse, mas não enxergava mais nada, não sabia onde estava, é tudo o que ouvia ao seu redor era o choro triste de sua filha. 

Foi neste dia que sentiu o cheiro das flores, o cítrico dos sabores, e o belo das cores. Porém, se era cedo demais ou tarde demais, nunca saberei o que aconteceu comigo. Foi neste dia que morri. 

14/08/2022

A droga que se é: fume-a.

Naquele domingo à noite se deu conta que estava entorpecida pela realidade. Estava mais do que exausta de tanto se esforçar em respirar. Não aguentava mais ter que inspirar e expirar, ela queria mesmo era fazer fumaça. Muita fumaça. 

Decidiu então fazer o que deveria ser feito para a fumaça subir. Com a ajuda de um espelho para ajudar a ter mais precisão e um cutelo para ir mais rápido, ela tratou de se fatiar e depois cortar em pequenos cubinhos de si mesma. Não satisfeita, ralou-se. 

Juntou partículas de si mesma e bolou no mais belo beque que se já ouviu falar. Se achava tão grande e valiosa, acima de tudo, maior que Deus, universo e multiverso juntos, sem nem mesmo ter se dobrado ao diabo, se acha tão superior que por si só se fumaria em tragos demorados. 

Por segundos estaria esfumaçada e aprisionada no pulmão de quem a fumasse e em seguida a liberasse por aí, carregando junto de si as memórias de quem a fumou. 

Os canibais modernos fumam tanto de si, que nenhuma droga é mais poderosa do que a droga que se é. 


03/06/2022

40 anos

 A idade que achava que nunca chegaria chegou! 40 anos de idade e um corpo decadente. Inimigos como espelhos audaciosos, câmeras malditas e reflexos ingratos que gritam estridentemente nos meus ouvidos até que sangrem.

Clamo ao diabo para um pacto, mas até o diabo é esperto o suficiente para não fazer pacto com quem sequer acredita na sua inocência. O paradoxo entre a alma pronta para ser vendida e um diabo que sequer existe. 

Como um vírus que destrói de dentro pra fora, eu sou o vírus e o hospedeiro mesmo tempo. Devoro a mim mesmo de dentro para fora, como uma bactéria faminta ou um câncer sem controle, resistente, persistente, ambicioso é diferente, que come cada pedaço de carne de dentro de para fora, do centro para às extremidades, como uma estrada revisitada de tempos em tempos. 

E de novo vem o tempo, com sua voz aterrorizante e dedos podres, unhas pontudas e venenosas, rabiscando na minha pele o tamanho da destruição da minha alma inexistente, da minha vida dopada de calmante com gin. 

Meu desejo fica restrito ao compromisso comigo mesmo em ser uma versão melhor de mim mesmo, sob o julgamento da sociedade, quando tudo o que eu queria era respirar a fumaça translúcida do meu corpo em descomposição.


18/02/2022

Morte pulsante

 A cortina que dividia a sala e o quarto não era fina nem grossa, mas era densamente branca e hipnotizante. Pensava em vapor, mas com esse odor não podia ser vapor. 

Nua ou vestida, o que importa quando nada mais importa? O preço nada mais é que um valor inventado numa sociedade domesticada. E o problema é minha cortina? 

Essa fumaça é densa como meu sangue. Suspenso no ar meu DNA registra sua marca no espaço-tempo: outra invenção. Já experimentou anular o significado das coisas na tentativa de encerrar essa coisa em si mesma? Adianto aqui: não tente porque você perceberá que estará inevitavelmente recorrendo ao pré estabelecido, ao que fizeram você acreditar. 

A religião tem sua própria cortina: defuma-se o salão da igreja católica para espantar espíritos ruins? Não. Procure sobre os hábitos sanitários da época e saberá a origem da defumação na igreja. 

O ser humano fede. Fede porque o ensinaram desde sempre a anular-se: tire seu cheiro de humano com água e sabão. Desumanize-se, mas pregue a humanização. Desumanize-se e intoxique-se para suportar a tristeza de ser humano. 

Feche sua cortina de fumaça. Delírio é o modo mais sincero da realidade. De quem?

27/07/2021

Reflexo do inexistente

Joelhos rangendo feito porta com dobradiça enferrujada. Se nem os joelhos o ajudavam a se levantar da cama, ficar em pé sem dor era uma dessas metas que colocamos na nossa vida e nunca alcançamos, como ganhar na loteria ou fazer um bate-e-volta na lua. 

A memória já não ajudava tanto assim: "Por que cobri os espelhos?" Não se lembrava, mas sabia que nos cantos escuros da sua mente, a razão poderia estar desmaiada, coberta por pó, esquecida, descartada, inutilizada. Mas ainda existia, só não sabia para quem.

Seus olhos viram dentro da sua cabeça várias outras razões para outros motivos, e tal qual o apressado cosmopolita tropeça nos mendigos e não os vê, anulando sua existência contraprodutiva na barbárie capitalista, viu por cima, pelo lado, por baixo, mas não enxergou a razão, sequer lhe atribuiu significado que lhe conferisse razão de ser a razão. Ao esvaziar a razão, o que sobra?

Sua carcaça estava repleta de tudo e de nada, como se o nada fosse materializado dentro de si tal qual o sangue é bombeado pelo coração, ao mesmo tempo que permite que ele funcione. O coração depende do sangue para funcionar assim como o sangue depende dele para correr. Estava viciado em se preencher do vazio da existência reduzida ao propósito impossível de ser compreendido.

E se os olhos são a janela da alma, provavelmente a sua já deixou essa casca de carne e osso faz tempo... ou talvez nunca teve alma, e mesmo que tivesse, o que isso agrega em sua vida? Aliás, este esvaziamento de significados dos propósitos comuns lhe parece mais libertador do que aprisionante, seu maior medo era ser o fanático. 

Os fios brancos na barba bagunçada, a tatuagem borrada, a fumaça entre ele e o espelho coberto. Esvaziou-se de significados, esvaziou-se de propósitos, e permaneceu entregue ao nada. E o nada assim o envolveu, mas nunca preencheu.


06/06/2021

A contrapartida da intenção de ação

 


Estava decidido que eu iria ajudar a humanidade, a natureza e o planeta de uma vez só, adotando um cachorro. 

Não poderia ser de raça e muito menos comprado de um canil. Não mesmo. 

Encontrei: perfeito. 

“Ei, tá locão hein tio? Tira a mão do meu cachorro” 

Feliz com meu novo cão adotado, seria a hora de devolver para a natureza o que sempre foi dela. 

Cortei em 4 partes iguais. Se bem que as superiores eram meio desengonçadas e as inferiores um pouco tortas… para a esquerda… enfim. Corte lá em 4 partes “iguais” (o que não faz o menor sentido, não ficaram iguais). Mas eram 4 partes de toda forma. Qual norma explica o significado de iguais no subjetivo de cada um?

Com um quarto fatiei em filés. Suculentos, embora nem tanto, deixei marinando no próprio líquido. O sal ajuda. 

Com outros 2 quartos eu moí. Moí quatro vezes para ficar bem mais para um pastoso do que moído. Com as próprias tripas fiz linguiças. 

Com o quarto restante piquei em cubinhos e flambei. 

Afinal, não pensei no acompanhamento… hmmm, ração de salmão e hibisco. Perfeito. Com salsinha por cima. 

A melhor forma de salvar um cão é assim, olha:

“Vem garoto, vem cá. Olha o que o papai trouxe pra você!!!”

E serve um delicioso banquete de ex-dono ao seu próprio cão. 

Moral da história: não há moral na Colônia Portuguesa de Terras Brasilis. O que são vidas aqui, não é mesmo? Quase 500 mil. 

O que é vida, meu irmão?

04/06/2021

Pulsão de morte


 Mas ela não sabia o que ia rolar por detrás daquela cortina de fumaça branca e densa.

Não enxergava um palmo na frente do nariz. Ela estava literalmente cega mas muito viva. Desde quando se precisa dos olhos pra ver? 

Ah, papo de gente doida. Papo de gente esquisita. Tanta risada. Tanta palhaçada. De tantas em tantas ela ficou é tonta.

Isso é de comer? E isso? É o que? É de sentir?

Parecia que o quanto mais adentrava naquela névoa com cheiro de desinfetante e creolina. Havia tanta sujeira assim? 

Como qualquer pergunta poderia ser respondida por ela, justo ela que é cega, embora enxergue com seus próprios olhos a ponto de afirmar que é cega na mente. 

Mais uma rapidinho, mais uma baforada nesse balde. Mais uma tequila e mais um shot. Cadê a fumaça? 

A fumaça que a rodeava a cegou na alma. 

E tudo que vê não há. E o que há, não vê. 

Nao lê por detrás das palavras: as intenções. 

Não lê o que não foi dito, nem escuta o que foi quase dito. 

Então... por que introjeto na minha alma as marcas cancerígenas da fumaça que explode os meus pulmões e me impede de ter fôlego para dizer somente isso:

... ...... ....... .......

E fim (do quê?)!

25/05/2021

Tímpanos

O silêncio é ensurdecedor!

Será o silêncio coisa criada pela minha cabeça? Ou será o silêncio inútil na sua função se já surdo fiquei?

O silêncio é ausência, é quietude, é a própria finitude de algo e de alguém, independente da ordem, do grau e do seu impacto.

Falta.

Vazio.

Fim.

03/12/2020

Realidade Odiada

No meio de tanta fumaça ela viu olhos vermelhos por todo o lado. Seriam os olhos dos outros vermelhos ou seria ela com sangue nos olhos vendo tudo em vermelho?
No meio de tanta fumaça, ela levitou, revirou, deu um salto mortal, inspirou, segurou, soprou e passou. 
No meio de tanta fumaça já não sabia se estava deitada ou em pé, talvez sentada, ou talvez nunca nem esteve ali...
No meio de tanta fumaça, já não sabia quem era Eva e quem não. Ela queria contar a Eva sobre Lilith. 
No meio de tanta fumaça, ela esteve em Saturno, Marte e Mercúrio, e em lugar nenhum ao mesmo tempo. Tempo?
No meio de tanta fumaça, os homens chegaram de sirene ligada, cacete na mão e muita sede, muita sede de sangue. 
Sem mais tanta fumaça, o imundo a algemou, enfiou a mão pelo seu short, e a jogou no camburão. 
Hoje ela sente falta de fumaça, onde podia enxergar um mundo mais bonito. Sem fumaça, é só realidade (odiada). 

29/09/2020

A última apresentação

Quem diria que nessa altura da vida eu estadia num palco. Mas, qual o assombro?
Ao longo da vida desempenhei tantos papeis que não é nenhuma novidade. Me formei ator numa famosa escola chamada Sofrimento.
Dos diversos papeis, o mais marcante talvez tenha sido numa peça chamada infância, na qual as outras personagens diminuíam, provocavam, maltratavam e espancam a minha personagem. Foi tão marcante, que eu jurei nunca mais interpretar algo semelhante. Até hoje lembro das falas e dos sentimentos evocados. 
Agora estou neste palco, diante de vocês para interpretar um novo papel: o da decadência humana. 
Seja na minha pele flácida, que esconde minhas dores e tristezas entre as rugas, seja na minha barba branca, que brilha toda minha amargura (mas o que importa é o brilho resplandecente), seja na minha falta de força nas pernas, que já não sustentam todo o sofrimento que carrego nos ombros. 
Conte comigo. Eu sou perfeito pra este papel tão autobiográfico. 

02/09/2020

Segurança em pó

Veio puxar conversa com essa frase: a segurança é perigosa. 
Olhei nos olhos secos e brancos, interessado pelo assunto que me tomou no susto. 

"A segurança é perigosa, meu amigo. Te faz ter certeza do que nunca foi certo e nunca será. O cuidado se descuida, e o calor se torna insuportável. 
A segurança é perigosa, meu amigo. Os ouvidos se fecham, e a voz desinteressa. Não adianta gritar para ouvidos que decidiram ser boca. O grito é inaudível. Você ouve?
A segurança é perigosa, meu amigo. O interesse em ser vira o interesse em ter, e o controle rompe a compaixão. Qual a distância entre existir e partir?
A segurança é perigosa, meu amigo. Se você não tem medo, você não enxerga, não se atenta. E quando ficar cego, será tarde. O que foi não volta mais."

E antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, já era tarde demais. 

30/08/2020

Ciranda da vida

Era mais simples. 
Era mais humano.
Era mais real. 
A infância é vital. 
Crescer é uma cilada. 
Envelhecer é uma mentira.
Da beleza da vida, só ruínas.
E no desmonte do cenário improvisado 
A nudez da alma é feia, suja e desimportante. 
O que é a vida senão uma danação?

23/08/2020

Bailarina num copo de whisky com café

Foram muitos anos dividindo o palco com aquele - não ousava dizer o nome - que não sabia dividir. O combinado era colaboração e não exploração, mas não foi o que viveu. 
O espetáculo era lindo de se ver, mas não de se viver: estava sempre em segundo plano. Ao final, era whiskey pra esquecer, e no dia seguinte café pra acordar. Até quando? 
Até quando?
Até nunca. 
Decidiu que o bailarino voaria pra fora do palco: um assemblé, três balloné e um jeté bem executados por ele seria o suficiente. 
Viu-se sozinha no palco. Finalmente era dona de si, de tudo e de todos. Valsaria, se quisesse. Sambaria de sapatilhas se quisesse. Fouetté rond de jambe en tournant o quanto quisesse, pelo tempo que quisesse. No fim, whiskey pra dormir e café pra acordar. 
Tanto tempo fora do protagonismo, que no fim lhe restou um copo e duas garrafas.
Para si, apenas a morte do cisne. 

Texto: Diego Lana
Arte: Daniela Nunes 

20/08/2020

Cinzas

Soprou pro alto o que restava de sua energia vital. Queimou na ponta do cigarro pra ver em forma de fumaça o sorriso da sua alma. No fundo do copo afogou sua dignidade. 

Para que serve a vida senão para morrer? 

Ainda mais ele que nem pra morrer tinha dom. Costumava dizer que seu dom era poder furtar-se à sua responsabilidade de ter um, mesmo que essa contradição gritasse qual era o seu maior dom: negar o que não pode ser negado, na contramão da obscurantismo que é a vida.

E como cinza de bituca, num canto de calçada sobre a tampa de um bueiro, misturou-se ao pó e para o início retornou. 

[Não] está tudo bem [?]

Quem via sua cabeça erguida, seus olhos espertos, sua sobrancelha espremida, a testa franzida e seu peito cheio de ar, não imaginava que tudo era cartaz! 
A coroa pendendo para a lateral, mas firme e bem repousada sobre sua cabeça. 
Quem não queria ter a mesma postura? Sem contar a altivez de quem pode voar e ver o mundo lá do alto, lá de cima, numa imensidão azul e tranquila. 

O voo solitário não é privilégio. 
O olhar lá de cima não é privilégio. 
A imensidão azul não é privilégio. 

Privilégio é compreender o que se passa com a alma do ser. 
É ter empatia e perceber que aquela olhos negros eram espertos para compreender o que acontece lá embaixo, com as pessoas com seus pés no chão e cabeças nas nuvens, mas não espertos o bastante para esconder uma lágrima de dor. 

Olhos de insônia. 

Texto: Diego Lana
Arte: Daniela Nunes 

21/05/2020

Não respire

Foram tantos momentos na vida em que prendeu a respiração, que quando pediram para não respirar mais, nem sentiu. Hábito, dizia. Hábito, sentia. Hábito.
Hábitos que constroem, modificação ou causam a ruína de tudo. O perigo do hábito que causava cegueira e surdez.
Pelo hábito, não respirar já era comum. E quando tentou respirar, sentiou dor, tonteou e morreu, mas daquelas mortes que a pessoa ainda caminha, mas sem futuro, que ainda tem olhos, mas que nada vê, e que ainda é provida de fala, mesmo que a inutilize por conta própria.
E seguiu vivendo de morte.

18/03/2020

A dor que sente

Ela não sabia mais se sentia dores ou se as dores a sentiam. Não se lembrava da última vez que esteve em estado diferente do atual ou se tudo sempre foi assim. Suas lembranças eram verdadeiras incógnitas, assim como ela própria se sentia na sua relação com o mundo e do mundo com ela.
Era o avesso invertido do avesso, enroscada em pensamentos insistentes, ideias mancas e vontades lavadas de sangue. Quem a via, não a enxergava, e pela multidão ela passava solitária. Quem consegue ser sozinho no meio de tanta gente e ainda sorrir? Exercita a musculatura: sobe uma bochecha, sobe a outra bochecha e taí o sorriso. Ela não esquece de apertar os olhinhos, pois aí não vão dizer que seu sorriso é "amarelo" já que seus olhos estão sorrindo juntos.
Diplomacia com os outros é como engolir pedras: a saliva fica grossa, mas ela não cospe na cara da gentil pessoa que vomita frases prontas embaladas com papel decorado e laço lilás, ah não. Ela aceita cada um desses presentes, e pela diplomacia engole a saliva grossa feito pedra, que desce como gilete pela sua garganta, que além de levar o gosto de sangue a sua boca, aperta suas cordas vocais, e estrangula aquela voz de raiva pronta pra sair e que fica presa, pendurada nos dentes, e que ali morre.
Ela não sabia mais se sentia dores ou se as dores a sentiam. E seguiu sendo uma perdida numa multidão de outros uns, de outros outros.


Texto: Diego Lana
Arte: Daniela Nunes

[DES] Importantíssimo eu

Cresceu desimportante num universo de muitas importâncias. Tudo era importante, urgente, imediato, na pressa, no "sangue, suor e lágrimas". Cresceu desimportante dando importância demais para tudo, sem segregação, sem divisão, sem priorização, sem categorização, sem motivação, sem ação de qualquer outra pessoa ao seu redor, a não ser o movimento dentro de si que engatilhava sua ignição.
Cresceu desimportante numa casa cheia de importâncias dadas aos objetos, aos móveis, às regras, às metas e ao seu silêncio. Cresceu desimportante dando importância às notas, e não ao prazer em aprender, dando importância ao professor, e não ao aprendizado, dando importância ao horário de entrada e saída, mas nunca às pausas entre aulas. Não desligava, era importante estar ativo.
Cresceu desimportante numa relação de muitas importâncias vazias. O tio bêbado, o vizinho gênio, o primo pegador, a professora mentirosa... eram todos muito importantes. Eram exemplos. Cresceu desimportante e não aprendeu o que é a desimportância.
Cresceu.
Cresceu e não aprendeu.
Cresceu, e no encontrar-se se perdeu.
Cresceu, e no relacionar-se com outros se apagou.
Cresceu, e o crescimento o levou a um grau de desimportância tão grande, que despencou do alto de uma desimportância.

Caiu na insignificância de si, num universo escuro, de portas trancas e chaves erradas. Não recebe respeito, não recebe contato, não recebe olhares, não recebe atenção. Caiu na insignificância consciente de que a resiliência neste caso não leva a resistência alguma. 
Caiu na insignificância. E não há significado que ajude a sair deste quarto escuro.

Não há 
        v i d a 
                   para quem nasceu 
                                                 m
                                                o
                                               r
                                              t
                                            o  a
.

07/05/2019

A repetição do novo

Afundada no lodo não sabia mais se pedia socorro ou se curtia o momento, afinal, a fizeram acreditar que o mundo é o que imaginamos ser. E ela imaginava bastante coisa até. O lodo não era lodo, e sim uma jacuzzi. 
De tanto acreditar que a vida vai melhorar, a morte resolveu melhorar o lado dela e a afundou de vez na jacuzzi imaginária.

Texto: Diego Lana
Arte: Daniela Nunes


15/12/2018

O grande espaço ocupado pelo vazio de nada.

De todas as maneiras que se sentia cheia, nada mais ultrapassava suas preocupações profundamente rasas do que o cheio de vazio. Ela estava cheia de vazio. A seu contragosto - e a contragosto das leis da física, química, biologia e quiromancia - ela estava cheia de vazio.
Ah, se soubesse tansformar esse abundante vazio em prazer...
Tenta hipnose
Tenta homeopatia
Tenta aquele homenzinho na cruz - ele morreu por sua causa, lida com essa responsabilidade agora.
Tenta ocultismo
Tenta suicídio
Tenta mandar a merda
Ah, não tenta mais nada.
E do cheio de vazio ficou cheia de nada.
De
Nada.

Agradeceu roboticamente e partiu.

Texto: Diego Lana
Arte: Daniela Nunes 

04/06/2018

Nãovalemeucigarro

Não via parede alguma, somente portas. Eram muitas portas, de tamanhos variados mas de apenas uma cor. Interessante que sempre que olhava, via uma cor diferente, mas todas tinham a mesma cor. Ela desesperou-se dentro de seu próprio conforto como se fosse lógico e óbvio: as portas se abrem para novos caminhos. Mas quais seriam tais caminhos?
Paralisou e ali ficou por uma eterniade que cabe em minutos de um relógio parado. O único tique-taque que ouvia era de sua própria mente, ensurdecendo com o movimento dos ponteiros da sua mente contrastados com o silêncio mórbido de um relógio quebrado.
Tremeu-se toda. Olhou para dentro de si, contou seus botões, rasgou suas roupas, tomou consciência de que tinha vindo daquela porta especificamente destacada entre todas as outras. Destaca, não se sabe por qual motivo, mas sentia um impulso que tentava mover seus pés, um após o outro até lá. Que mal existiria naquela porta da qual havia saído? Muito melhor o inimigo conhecido, do que o desespero nada elegante que aguarda depois das outras portas.
Levantou e caminhou até a porta conhecida e na frente dela parou, não a abriu. Tocou a porta aveludada, fechou os olhos e sentiu o prazer do veludo. Sedutora a porta, não é? Sedutor o caminho conhecido. Sedutor o sentimento de que nada mais a surpreenderia e estaria livre dos dissabores das decepções. 
Tocou a maçaneta no mesmo instante que um barulho ensurdecedor estremeceu seu corpo. Ouviu vozes que diziam que ela nunca conseguiria realizar seus desejos, que o que restava para si era nada além do que viveu. "A vida é dura". "Você é feia". "Você nunca vai encontrar alguém melhor que eu". "Você é chata". "Desperdicei minha vida por você e não consegui nada".
Tola, tola em pensar que o caminho conhecido é o melhor. Tola, tola em repetir o conforto da dor, o conforto do medo, o conforto do conhecido, o conforto da repetição ante o desconhecido.
Tola muitas vezes antes, mas não mais.

Um cigarro vai à boca. Uma chama vai à porta de veludo. Uma porta em chamas vai ao chão. Dores vão ao chão. Abusos vão ao chão. Aquele porco rosa imundo vai ao chão. Ela não, ela fuma seu cigarro até o fim e saboreia a liberdade de escolher qualquer outra porta e seguir adiante.

Aquelavidanuncamais. Nãovalemeucigarro. 

01/06/2018

Fortaleza de casca

São fortalezas gigantescas, imponentes, resistentes ao tempo, à força do vento e da água. Impressionam pelo tamanho. Impressionam pela audácia de não terem ido ao chão. 
Pessoas são fortalezas vazias, que impressionam pela casca decepcionam pelo oco, pelo eco, pelo vácuo, pelo nada. Mas ainda sim impressionam. Impressionam porque fortalezas são dissimuladas, e eu falo pelas duas: a de tijolo e a de sangue. São dissimuladas porque não se prestam a papel algum, pois estão apoiadas, alicerçadas, cimentadas, estagnadas em si mesmas, pois não viajam no espaço e nem no tempo. 
As fortalezas chamam atenção, recebem visitas, todos querem uma foto, uma lembrança, uma lasca do concreto, uma lasca da casca, um fio de cabelo ou um pedaço de pano. Alá quanta gente, alá quanta foto, alá quanta festa, quanto louvor. Deixa, deixa passar... deixa, deixa o dia ir... deixa que a noite é blasé, a noite faz cara de paisagem, a noite está ocupada demais em ser noite e vai deixar essas fortalezas mergulhadas em sus próprias solidões (no plural, porque o que tem de imponente, tem de vazia). É só casca.
Só.
Casca.

12/05/2018

(Re)iniciando a vida (de novo e novamente)

Tá lá o sujeito. O sujeito tá sujo. O sujeito tá sujeito a subjeções o objeções divinas, terrenas, quânticas e metafísicas. O sujeito se sujeitou a uma subjetividade alheia a sua própria capacidade de julgar sua capacidade de ser julgado e permitiu que o julgamento parcial e tendencioso o sujeitasse a continuar sujeitando-se àquele sujeito que obscurecia a suas faculdades mentais (débeis por instantes longos, mas finitos). 
Tá lá o sujeito tomando consciência que não precisa de nenhuma ciência, mas só paciência pra perceber que não é preciso provas científicas e nem ser um cientista pra entender que a vida ensina, mas não certifica. Não há diploma, certificado ou prova de proficiência na vida. O sujeito toma consciência num momento catártico, quase epifânico, e perdoe-me a profusão que me toma a consciência, mas por assim dizer, o momento é epifânico e catártico, quase um nirvana apocalíptico. 
Tá lá o sujeito reiniciado, recomendado, e remendando os trapos e farrapos de traços de um caminho encomendando e ensaiado. Tá lá o sujeito lavando os pratos cheios de fatos que só gritava o que ele memso rememorava e recobrava de si mesmo vez ou outra. 
Tá lá o sujeito abrindo o coração, rejeitando a oração, estendo a mão e abrindo o portão. Tá lá o sujeito, meio sem jeito, tentando de algum jeito, escondendo seus trejeitos, recebendo outro sujeito, para que juntos dêem um jeito, pois com muito respeito, nunca mais querem sofrer daquele jeito. 
Tão lá os dois sujeitos. Amando. Mas não estao recomeçando, pois o que um viveu, o outro viveu, e como tudo isso morreu (de morte matada, digo eu), não há nada além do que ele e eu queremos e podemos fazer.
Tão lá os sujeitos. E agora, meus caros, não tem jeito. Não há dor, nem rancor, nem pavor, nem medos no tremo. Há amor. 

Vida
Iniciou

18/01/2018

Hamlet 2018 Reloaded



“Ser ou não ser, eis a questão.”
Tirei essa frase do contexto que Shakespeare utilizou e me vi usando essa fase dentro do meu próprio contexto sócio-econômico-cultural e fiquei perplexo. Por isso, nada desta reflexão tem a ver com Hamlet (ou tem?). Quanto tempo das nossas vidas passamos tentando equilibrar tudo o que fazemos entre ser ou não ser? Quantas vezes o “não ser” toma a frente?
Não ser quem você é entre seus familiares.
Não ser quem você é entre seus amigos.
Não ser quem você é nas ruas.
Não ser quem você é na sua própria solidão, pois forças “superiores” e “invisíveis” estão vigiando.
É tanto “não ser” que quem quer “ser” acaba enlouquecendo e dizimando tudo ao seu redor (mas agora é vida real ou é Hamlet?).
Quem tenta “ser” ou acabado “sendo”, em outras palavras quem “é” acaba isolado numa concha, numa bolha ou embrulhado com o jornal da década anterior para cair no esquecimento.
Essa grande porção de “não ser” exige, demanda, estipula e impõe que o avesso nunca foi o avesso, mas o lado certo. Avesso é avesso, e o certo e o errado são tão arbitrários, que nem física quântica poderia explicar - e eu na minha ignorância neste universo também não.
Ser ou não ser?
Eis a questão.

Diego - JAN/18

31/12/2017

Príncipe encantado

Exige
Espera
Deposita
Projeta
Acha
Antecipa
Imagina
Segue o padrão 
É o normal
É assim que é
Todo mundo é assim 

Você é especial
Você é lindo
Você é diferente 
Você vai corresponder a todas as expectativas 

Você é feio
Você é mal
Você é igual todo mundo. 


Cada uma pra um lado. Cada um afogado em suas próprias ideias fundamentadas no nada. 

12/12/2017

<* Des *>esperança

Dores e dissabores diluídos nos sabores e amores do vinho tinto e retinto de esperanças afogadas e embriagadas.
A perfeita combinação da ação da luz na escuridão, equilibrada na eterna luta da meia luz, da mea culpa, da meia tristeza, da meia vida, da meia vontade, da meia metade.
Entre luzes tingidas, tontas, embriagadas, luzes que iluminam sem saber o que, entre taças meio cheias, meio vazias, meio duvidosas, entre o ar com aroma de amora e amor, agoniza numa lágrima que afoga toda sua alma.

07/12/2017

Mesmos outros

São outros tempos, outros olhares, outras visões, outras impressões. 
São outros tempos, outras pessoas, outras parcerias, outras conexões. 
São outros tempos, outras alegrias, outras tristezas, outras emoções. 
São outros tempos, outros ritmos, outras melodias, outras canções. 
São outros tempos, outras exigências, outras contingências, outras tentações. 

São tantas outras, tantos outros, tantos tempos, que sou o que nunca fui, e fui o que nunca penso em ser. 


São outros tempos num mesmo relógio de dois ponteiros. 

06/12/2017

Efêmero

Efemeridade:
- das relações
- das aspirações 
- das opiniões
- dos julgamentos
- das vontades 
- dos interesses
- das forças de vontade 
- dos relacionamentos 
- das parcerias 
- das juras de amor
- da eternidade (breve!)
- da brevidade per se 
- da minha vontade de fazer entender 
- da sua vontade de tentar compreender 
- da vida e de viver


Hoje nascimento. Amanhã sepultamento. O que acontece no meio é tão efêmero que o bicho come e não sobra nem um pensamento. 

04/11/2017

Horror

Vulto de um algum nenhum. Borrões coloridos e vomitados em cabelos sujos. Vultos de cores descoloridas com vodca e cloro. Estaca após estaca perfura seu crânio em busca do seu cérebro, aquela bola cinzenta pútrida que ocupa esse espaço.
Blackout. O horror, o horror, o horror.
Nada mais tocou.

Carta a mim

Querido eu mesmo,

Feche os olhos e sinta a música, a batida do coração, do seu e da música. Ouve os passos da criança cega do andar de cima. Criança cega, macabra e assassina.
Concentra... ouve o sino daquela igreja perdida no caos de São Paulo. Ainda se encontram beatas e carpideiras? O som das ondas cerebrais atormentadas lamento fúnebre da portuguesa que agoniza num fado industrial.
Não abra os olhos. A música te diz tudo o que você precisa ouvir. A buzina do carro, o som das ultrapassagens, a imagem da juventude realizada no sangue do asfalto.
Aperte forte suas pálpebras e não deixe esse manto recair sobre seus ombos. Como pode ser um manto branco por completo, e preto por completo, tal qual como o branco, ao mesmo tempo, mas sem sê-lo de fato? As cores não se misturam e não compartilham o espaço devidamente e milimetricamente demarcado. Ouve o fado industrial, ouve o lamento. O manto que absorve a luz na sua alvura repelindo-a com sua treva não permanece sobre seus ombros, mas revela sua imagem.
Abra os olhos e contemple.

Eu mesmo.

Um Homem Só

Era um homem só. Seja porque era só ou porque era um homem. E porque era um homem, só, e um homem só, ele trocaria todas as trilhas que levariam a romaria para ilha finita. Os sons dos pássaros e dos tiros soariam e ressonariam nos seus tímpanos, no seu íntimo e não mais os ouviriam. Era a hora, lá fora.
Era um homem só, que de tão só, e da vontade de ser só, e por ser um homem só, da romaria não queria nem a vida de quem pegasse aquela trilha. Não era bons, vermelho eram seus tons. E lá sabiam o que fariam com membros sangrentos que se contorciam e tremendo iam e iam e iam... Já não era a fauna nem a flora, era algo entre ontem e agora.
Era um homem só, só era um homem só. 

23/06/2017

Vinho

Ela não usava batom, nem blush e nem sombra nos olhos. As bochechas coradas e a boca vermelha eram tintas de vinho. 
Vinho também era sua lingerie, usada mil vezes e de novo. Era sua preferida, comprada na feira de domingo depois de comer um pastel de palmito. 
Vinho também era sua saia, tão curta quanto sua vontade de ser aceita na sociedade. Aliás, que sociedade aceita um vinho seco em goles largos? É preciso degustar, dizem por aí. 
Ela degustava a vida a goles largos. 
Vinho nas três refeições do dia (isso quando eram três). Meu estômago, minhas regras. 
Vinho na garrafa. Vinho na lágrima. Vinho no sangue. 
Sangue vinho tinto e retinto, às 6 da manhã, numa sarjeta qualquer. Sangue vinho tinto e retinto daquela que não só dava prazer, mas era o prazer. 

30/05/2017

Para sempre

Ela tinha essa mania de fingir. Fingia que era bonita, fingia que era da galera, fingia que era descolada, fingia que curtia umas paradas proibidas, fingia que era cult, fingia que era a mina do boteco, fingia que era a madame da Chanel. 
Ela tinha essa mania de acreditar. Acreditava que era bonita, acreditava que era da galera, acreditava que era descolado, acreditava que curtia umas paradas proibidas, acreditava que era cult, acreditava que era o mulherão do boteco, acreditava que era a Lady da Chanel. 
Hoje ela tem essa certeza de saber. Sabe que já foi bonita, sabe que nunca foi da galera, sabe que era super brega, sabe que viciou numas paradas proibidas sem nem ao menos gostar, sabe que não é cult, sabe que é a puta do boteco, sabe que sua moda é sua pele nua. 
Ela sabe. Ela tem certeza. Ela é mais feliz do que tinha mania de fingir e de acreditar. 

25/05/2017

O nascer da morte.

Acordou e olhou pro lado. Contemplou aquela imagem diária é maravilhosa de todas as manhãs: a cama vazia. 
Sorriu, deu bom dia ao espaço preenchido de nada e morreu. 

24/05/2017

Anos depois

Anos depois. Depois de ter ido ao inferno e voltado. Anos depois. Depois de enjoar, sentir saudade e enjoar de novo. Anos depois. Depois de envelhecer e rejuvenescer. São anos e anos depois. 
Descobertas, bocas abertas, portas entreabertas, conversas com a Roberta.
Evoluções, soluções, envolvimentos, sentimentos, anos luz distante, 13 anos adiante. 
Garrafas vazias, mente cheia, coração vazio, de sangue o corpo cheio. Manda uma cachaça, uma rechaça, uma carcaça e aspire as traças. 
Acende cigarro, apaga a luz. Acende a luz, apaga o cigarro. 
Apareceu mais uma ruga. 
Apareceu mais um fio branco. 
Apareceu mais uma mancha. 
Apareceu mais um suspiro. 
Apareceu mais um soluço. 
Apareceu mais uma súplica. 
Apareceu mais uma dose. 
Apareceu mais um ano. 
Desapareceram vários outros anos da cabeça caduca e confusa e cabeluda.
Anos e anos depois. E cá estamos de volta ao início do novo início já iniciado tantas vezes antes. Anos e anos depois, bem-vindo ao velho novo início. 

23/05/2015

<des>alma<do>

Eu sabia exatamente o que eu queria, mas todas as feridas não cicatrizadas me impediam de conseguir seguir em frente. Eram purulentas e podres. Carne dilacerada e fétida. Mas nada comparado ao estado da alma. 

10/05/2015

[des]amar

Acordou querendo desviver tudo o que tinha vivido. Queria desviver os anos de trabalho, desviver o tempo com amizades que não deram certo, deschorar as lágrimas nos velórios, descomer todos os jantares de Natal, desver todas os filmes que a fizeram chorar, desaprender todos os preconceitos e julgamentos que aprendeu a ter e, principalmente, desamar. 

Ela queria desamar e desviver. Quem sabe, desnascer. 

16/01/2014

Cova rasa

Estufou-se de ansiedades e angústias. Levitou. Flutuou. Ascendeu. Mas sem ter como se sustentar em tal patamar fez o caminho inverso. 
Sentiu dor, arrependimento e certa satisfação. Tal estufamento chegou ao fim e viu-se em puro alívio. 

Before after death


Balançava-se de um lado para o outro, mas nunca afundava. Suas emoções de equilibravam nas bordas dos seus sentimentos fracos e puídos. Nas pontas dos poucos cabelos que lhe restavam, pendiam memórias tristes e antigas, únicas sobreviventes de uma mente oca que ecoa vozes e ecos de um futuro perdido e enterrado num passado tão presente e marcante. As meninas dos olhos há muito não dançavam nem espalhavam o brilho espontâneo e vivaz da juventude que escorria lentamente pelos cílios para lançarem-se para sempre na vastidão do nada. E o relógio avançou apenas um quarto de minuto. 

Espetaculosidade

Em 15 minutos muitas coisas aconteceram: uma criança que corria freneticamente atrás de uma outra não menos frenética bate a cabeça no cotovelo do senhor sentado na poltrona a frente e desmaia. A mulher voluptuosa de perfume inebriante quebra o salto ao tentar fazer do corredor uma catwalk. Uma gorda de coxas três vezes maiores que sua própria cabeça cai num riso inevitável (e nisso ela não estava sozinha) deixando toda a coca cola sair ferozmente pelo seu nariz. O casal apaixonado da poltrona a frente tem seus beijos lascivos (e desconfortavelmente impróprios aos olhos mais recatados) interrompidos pelo banho de refrigerante. 
"Ladies and Gentleman, turn off mobiles and cameras. The show is about to start"
15 minutos se passaram e o espetáculo começou. No matter what. 

13/12/2013

Troca de turno



Ele era importante. Era o mais importante de todo hospital, afinal, ele largou o conforto do próprio lar para atender o "bando de doentes" que aguardavam com suas "supostas doenças". "Esse povo que sente a garganta arranhar e vê no Google que é câncer deveria sumir do mapa" pensava o tempo todo. Ele era importante demais pra dar bom dia pro "zé povinho."  

Ela passou a noite em claro. Estava com fome, nem tinha conseguido jantar tamanha era a dor que sentia ao engolir qualquer coisa que fosse. Além da dor havia a preocupação com o trabalho, pois não podia faltar de jeito algum. "Tanta coisa pra fazer, tanta coisa pra terminar" pensava o tempo todo. Mas não tinha jeito, ela precisava estar ali, precisava ver o médico para depois ir trabalhar. 

A atendente estava ansiosa e radiante. Era sexta feira, e para ela o fim de semana começa ao final do expediente de sexta. Era sortuda, pois era a mais velha no departamento ("tempo de casa, hein? Não de idade", dizia ela), e podia se dar ao luxo de descansar aos fins de semana. Não respondia aos bons-dias dos pacientes que chegavam, apenas os olhava de maneira mecânica, como se o espírito do aclamado "findesemanaperfeitolindoemaravilhoso" tivesse possuído seu corpo e a levado para uma dimensão paralela. 

Ele já tinha certa idade, mas estava acompanhado pela filha. "Lutei e trabalhei a vida toda pra ter uma velhice digna, com um bom plano de saúde", dizia para todos. Os filhos estavam encaminhados e com boas condições de vida. A filha com olhos de carranca e voz de torcedor de futebol em final de partida, cuidava do pai como se cuida de um pano de chão. "Agora o senhor quer ir no banheiro, né? Por que não foi quando chegamos. Eu não sou obrigada a ficar fazendo suas vontades o tempo todo".  

"Senhora Mitsuco Hishira"
...
"Senhora Mitsuco Hishira!"
...
"SENHORA MITSUCO HISHIRA!"
...
"Senhor João Damasceno"
"Oi, Doutor."
"Onde está o Sr. João?"
"Não sei. Eu sou Mitsuco" disse a moça após desligar o celular. "Sou viciada nesse joguinho", disse com um sorriso amarelo. 

Mitsuco estava sempre doente. Não havia uma doença que ela já não tivesse tido ou que alguém da sua família não tivesse tido. Caxumba? Já teve duas vezes, "a primeira foi tão fraca que meu organismo não ficou imune. Mas a segunda..."  Já tinha experimentado remédios das mais variadas marcas e laboratórios, "Não que eu não acredite em genéricos, mas os de laboratórios conhecidos são os melhores". 

A criança corria e pulava por cima dos bancos. Atrás, uma criança aparentemente da mesma idade corria freneticamente atrás da primeira. Eram gritos, risos, um contentamento só em meio aos doentes e moribundos. De longe, uma mãe apática assistia a tudo com um olhar vazio. Tinha acordado 4:00 da manhã para enfrentar o ônibus lotado para, enfim, chegar ao hospital para a consulta das 7:30. A garganta vacilava sempre desde que virou mãe. A voz de comando em casa pertencia à televisão. O relógio marcava 9:50, e o médico não tinha chegado ainda. 

O médico atrasado para consulta das 7:30 estava no conforto do seu carro novo, a caminho do hospital. Ele, que salva muitas vidas, pode se dar ao luxo de chegar atrasado. Ele tem créditos com Deus, e pressente quando o hospital realmente precisa dele, e naquele dia, logo uma sexta feira, tinha certeza que o hospital estaria vazio, e que muitos pacientes iriam faltar à consulta. Os que porventura comparecessem, poderiam aguardar um pouco sua chegada. Se puderam esperar até o dia da consulta, por que não esperar mais algum tempinho? Ele tinha crédito com Deus. Ele podia fazer doentes esperarem. 

E o dia no hospital passou. 

O médico importante atendeu o Zé Povinho como ele não gostaria de ser atendido. Dias depois, uma das pacientes daquele dia, tratada com Anador, descobriu um tumor na garganta. 

A moça preocupada com o trabalho foi afastada por 5 dias, e quando retornou ficou doente novamente. 

A atendente feliz "largou o serviço" 5 minutos antes pra passar o batom e trocar de calcinha no banheiro do hospital.

O velho senhor morreu sentado na cadeira de rodas, e a filha só percebeu 2 horas depois, quando brigou com o pai por ele dormir demais. O pai simplesmente não acordou mais. 

Mitsuco perdeu o celular e a consulta. Passou o resto do dia no hospital tentando recuperar o aparelho. 

A mãe e as crianças enfrentaram um árduo caminho de volta pra casa. Ônibus cheio, vida vazia. 

O médico que tinha crédito com Deus sofreu um ataque cardíaco, e quando achou que poderia resgatar seus créditos com Deus, soube que era um devedor. 

"Aguarde um instante pois estamos trocando de turno."  

12/12/2013

Cego-mudo

E aí vem aquele papo de que o pior cego é aquele que não quer ver. Eu diria que eu quero mais é que se foda. Já tem umas duas horas que estou aqui, depois de todo o processo, e continuo achando que eu quero mais é que se foda.
Eu não estava nenhum pouco afim de vir até aqui e passar por tudo isso. Mas me garantiram que tudo ia dar certo, que minha vida mudaria, e que eu teria "qualidade de vida". Ah, balela! Qualidade de vida eu tinha lá onde eu estava, com meus vícios e vontades. 
Antes tivessem arrancado minhas cordas vocais do que meu direito de falar. Ah, que se foda! Eu vou continuar falando. Preciso falar. Preciso desesperadamente falar tudo isso que está preso na minha garganta. 
E o que o cego que não quer ver tem a ver com isso? Ah, você não vê? Não percebe?

10/12/2013

Hospitandometria

Conversava tentando uma naturalidade para tentar disfarçar o nervosismo. As luzes estavam fortes na sua cara, mas preferia fixar no branco das luzes do que no das paredes. A conversa estava meio embaralhada, quando foi questionada o que ela mais gostaria de fazer quando terminasse todo o procedimento. 
Ela não acreditava que um unicórnio falasse, mas lá estava ele conversando sobre as amenidades de um Carnaval. Mas ela, como boa passista que era, viu que o unicórnio sabia bastante sobre nossas festividades. 
Mas não bastasse, um intrometido cão alado pousou sobre os seios dela, afofou, deu uma volta, e deitou. O unicórnio aplaudia com suas patas de ganso, o pouso perfeito do cão. 
Ela, que não queria parecer rude, tentou falar para que o cão alado gentilmente saísse de cima dos seus seios, que antes vestidos estavam desnudos, não se sabe como, estavam sem nenhuma proteção, e as penas do cão estavam irritando sua pele. 
Mas ao invés de voz, bolas vermelhas saíam de sua boca sem som algum. Eram bolas pequenas, desformes, que flutuavam sobre o ar e estouravam na ponta do chifre do unicórnio. De cada bola estourada, um sapo de olhos vermelhos aparecia e dizia "o fim está próximo". 
Já acostumada com tamanho absurdo, fechou a boca na tentativa de engolir essas bolas vermelhas, mas havia perdido o controle. O unicórnio vibrava com cada bola que flutuava no ar, corria freneticamente de um lado  para o outro, estourando cada bolha e matando cada sapo dessa bolha com suas patas de ganso. Já o cão alado...
Fechou os olhos por um instante. Abriu. Viu as luzes brancas. Não sentia mais o incômodo de antes. Sentia sede. Não via mais o cão, nem o unicórnio, e em vão procurou as bolas vermelhas flutuantes. 
Estava livre. 
Livre.

A simulação real do universo imaginário e presente

  Era um poeta dos sonhos e um pintor das reflexões mais profundas. Sua mente transbordava de ideias surreais, mergulhadas em um mar de dúvi...